A utilização exclusiva de imóvel comum por um dos consortes

A opção feita por muitas pessoas de viverem em união de facto pode trazer um número elevado de questões, a resolver, no momento em que essa união cessa.

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DR/Mathieu Stern via Unsplash

Pensemos em duas pessoas que, unidas de facto, compraram um imóvel, para onde foram viver tendo, para o efeito, contraído um mútuo bancário, o qual foi sempre pago por ambos, mesmo após cessada a união de facto, sendo ambos comproprietários do imóvel.

Essas duas pessoas, agora com vidas separadas e projetos de vida novos e independentes, colocam o imóvel à venda e, acordam, por escrito, que até à venda do mesmo, a mulher ficará a viver no imóvel com os filhos (caso existam), sendo que ambos continuam a proceder ao pagamento da prestação correspondente ao mútuo bancário, na proporção de metade desse valor para cada um, mantendo-se também, ambos, a pagar metades dos valores devidos, nomeadamente, no que ao condomínio respeita.

No momento da venda, o ex-unido de facto, que deixou de viver no imóvel, no caso, homem, entende que é justo pedir à mulher uma compensação pelo uso exclusivo que esta fez do imóvel em causa, uso esse ocorrido desde o momento em que cessou a união de facto até ao momento da venda do imóvel, usando como critério orientador para a definição da quantia indemnizatória o valor de arrendamento do imóvel na zona, sendo que a mulher teria que pagar metade desse valor, multiplicando-se o mesmo pelos meses em que utilizou o imóvel, nos termos do acordo que celebrou com o ex-companheiro.

Será esta indemnização razoável, acolhida na lei e, assim, devida?

Nesta situação, entrecruzam-se o regime da união de facto e o regime da compropriedade, tendo os consortes acordado, no momento em que cessou a união de facto, na regulação do destino da casa de morada de família.

Como decorre do artigo 4.º da Lei n.º 7/2001 (lei que regula a união de facto), é de aplicar quanto previsto nos artigos 1105.º e 1793.º do Código Civil, com as devidas adaptações, em situação de cessação da união de facto, pelo que, do conjunto das normas relevantes resulta que os membros da dissolvida união de facto podem acordar quanto à utilização da casa de morada de família, que foi o que estes consortes, no exemplo em análise, fizeram, tendo fixado como limite temporal a venda do imóvel.

Conforme resulta do n.º 1 do artigo 1406.º n.º 1 do Código Civil, qualquer um dos comproprietários pode servir-se do imóvel, desde que não o utilize para fim diferente a que o mesmo se destine e não prive o outro comproprietário do uso a que, também, tem direito.

Ora, no exemplo dado, a verdade é que ambos os comproprietários celebraram um acordo, que vigora entre ambos até à venda do imóvel, nos termos do qual este é apenas usado por um deles, sendo que não ficou previsto que, no momento da venda, quem utilizou o imóvel tivesse que compensar o outro consorte por tal utilização.

Assim, a utilização, por parte da mulher, do imóvel, a título exclusivo, não constitui uma atuação ilícita por parte desta, na medida em que ambos os consortes acordaram nessa utilização, nos termos em que a mesma ocorreu, o que fizeram por escrito, pelo que não constando do mencionado acordo a referência ao pagamento de uma compensação pela utilização exclusiva, conforme resulta do artigo 236.º do Código Civil, qualquer declaratário normal entenderá que a não inclusão dessa previsão resultou da vontade dos consortes em não convencionar a mesma, não fazendo, também por aqui, qualquer sentido vir, posteriormente condicionar essa utilização exclusiva a uma compensação, quando a verdade é que essa utilização foi convencionada de forma não condicionada a um qualquer pagamento.

Até poderia não ter existido acordo entre ambos os consortes, pois não pode um deles vir exigir do outro uma indemnização pelo uso exclusivo, se não tomou, quanto a esse uso, qualquer posição, não se tendo oposto à utilização do imóvel ou, não tendo demonstrado interesse e vontade na sua utilização.

Deste modo, com ou sem acordo, nos exemplos acima não se pode considerar que a consorte que utilizou o imóvel tenha adotado uma conduta abusiva, razão porque não há lugar a uma compensação que seja devida por esta.

Nestas duas situações (celebração de acordo e não celebração de acordo), a verdade é que o consorte, que não utilizou o imóvel, nos termos referidos e pelas razões supra mencionadas, ao exigir uma indemnização estará a atuar com abuso de direito.

Para poder fazer valer o direito a uma compensação, o consorte teria que, por exemplo, vir a provar que havia proposto o arrendamento do imóvel ao outro, que foi impedido da utilização do imóvel por parte da outra consorte, que já anteriormente havia reclamado o direito a ser indemnizado e que, por exemplo, havia proposto uma alteração ao acordo que ambos celebraram, etc..

Em conclusão, nos dois exemplos, resulta que não é ilícita a conduta da consorte que utilizou exclusivamente o imóvel, não podendo o outro consorte vir exigir-lhe o pagamento de uma compensação quando a verdade é que não ficou privado da sua utilização, nos termos supra explanados.


As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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