Marcelo sobre abusos na Igreja: “Haver 400 casos não me parece que seja particularmente elevado”

O Presidente da República comentou o mais recente balanço das denúncias validadas pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja.

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Marcelo Rebelo de Sousa disse que estes casos não vão manchar a imagem do país que vai receber as Jornadas Mundiais da Juventude em 2023 LUSA/RODRIGO ANTUNES

O Presidente da República não ficou surpreendido com o número de denúncias de alegados abusos sexuais cometidos por membros do clero sobre crianças. Questionado pelos jornalistas na tarde desta terça-feira, no Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa referiu que as 424 queixas recebidas pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja (CIEAMI) não será um número “particularmente elevado”.

“Não me surpreende. Não há limite de tempo para estas queixas, há queixas que vêm de pessoas de 90 ou 80 anos e que fazem denúncias relativamente ao que sofreram há 60 ou 70 anos. Portanto, significa que estamos perante um universo de pessoas que se relacionam com a igreja católica [na ordem] de milhões de jovens ou muitas centenas de milhares de jovens. Haver 400 casos não me parece que seja particularmente elevado porque noutros países com horizontes mais pequenos houve milhares de casos”, disse o Chefe de Estado.

Recorde-se que há, efectivamente, um limite temporal definido uma vez que os testemunhos validados pela comissão dizem respeito a abusos que terão sido cometidos desde 1950, ou seja, são referentes aos últimos 72 anos.

Quando questionado sobre se as denúncias de abusos sexuais praticados por membros da Igreja Católica podem significar uma “mancha” para Portugal como país anfitrião das Jornadas Mundiais da Juventude de 2023, Marcelo defendeu que se trata de um assunto que “não tem nada a ver”. “Acho que nunca é manchado quando se pretende apurar a verdade. A democracia ganha sempre com o exercício da liberdade, obriga as instituições a reverem-se”, explicou e acrescentou que “é bom haver transparência”.

Esta terça-feira, a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa revelou, em conferência de imprensa, em Lisboa, que já recebeu 424 testemunhos e assumiu que a maior parte dos crimes reportados já prescreveu, havendo 17 casos enviados para o Ministério Público (MP).

Outras 30 denúncias estão a ser estudadas pela comissão independente para perceber se poderão também seguir para o MP. O pedopsiquiatra Pedro Strecht, coordenador daquele grupo de trabalho, adiantou também existirem contactos com a Polícia Judiciária sobre situações já reportadas a esta instituição e que, por isso, “dispensam nova sinalização ao MP”.

Por sua vez, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) reiterou esta terça-feira o “pedido de perdão às vítimas” de abusos sexuais de menores no seio da Igreja, assegurando a sua “determinação em tudo fazer para que, no futuro, tais crimes não se voltem a repetir”. Em comunicado emitido após uma reunião realizada em Fátima, o Conselho Permanente da CEP refere que nesta “determinação (…) é urgente ver envolvida toda a sociedade”.

O Bloco de Esquerda reagiu de imediato às declarações do Presidente, considerando a afirmação de Marcelo “lamentável” e afirmando que mesmo uma denúncia de alegados abusos sexuais de menores por membros do clero seria “preocupante”.

“400 queixas de abusos de menores validadas pela Comissão Independente e o comentário do Presidente da República é ‘o número não é particularmente elevado’. É este o Presidente de uma República laica e de um Estado de Direito? Lamentável. Fosse um caso apenas e já era preocupante”, afirmou Pedro Filipe Soares, líder do grupo parlamentar dos bloquistas numa publicação no Twitter.

Também à direita houve críticas: o deputado Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal, escreveu, também no Twitter, que o Presidente da República “deve um pedido de desculpas ao país e às vítimas pelas declarações infelizes”. “E nem vale a pena discutir se o número está subestimado porque muitas queixas ficam por fazer. Mesmo que não estivesse, as declarações são inaceitáveis”, lê-se na publicação. com Ana Bacelar Begonha

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