Harmonização: Os vinhos que o Outono pede

À medida que os dias começam a ficar mais curtos, chega o tempo das carnes de caça e também das abóboras, que abrilhantam a doçaria tradicional. Em simultâneo, as primeiras chuvas trazem os cogumelos, bem como o apetite por pratos com mais extracção e alguma rusticidade. E há Vinhos Verdes para casar com todos esses momentos à mesa.

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_ Nelson Garrido

Galo de cabidela

Podendo a cabidela fazer-se com várias carnes e em todas a regiões, esta é, no entanto, uma receita de que os minhotos se apropriaram. Talvez porque mais ciosos e empenhados na genuinidade dos ingredientes, talvez porque mais bem apetrechados com os Vinhos Verdes para acompanhar um cozinhado que, com sangue e vinagre, levanta sérias exigências na hora da harmonização.

Ou seja, sem uma acidez marcante não há vinho que aguente o embate, sendo que a intensidade de cor, a presença frutada ou ainda uma boa estrutura são também componentes do vinho neste caso muito apreciadas. E há apreciadores para tudo, até aqueles que preferem alguns tintos já avinagrados, desde que tenha cor.

Quando o assunto é a cabidela – o arroz de “pica no chão”, como gostam de diferenciar –, saber qual o melhor vinho é mesmo terreno minado. O melhor é mesmo seguir a velha máxima de que bom mesmo é aquele que nos souber melhor. (Mesmo que esteja avinagrado.)

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Gerardo Santos/Global Imagens

Perdiz

Prato de caça por excelência, mas que privilegia a elegância e a textura suave das carnes, em contraste com o contexto rústico que é comum associar-se aos ambientes de caçadas. Remete para uma cozinha mais elaborada e são muitas as receitas que se encontram pelo país fora, sendo a mais famosa e rica a perdiz à convento de Alcântara, considerada mesmo como a única receita tradicional portuguesa de alta cozinha. Quanto mais não seja, pela riqueza e requinte dos ingredientes que associa, como vinho do porto, foie gras e trufas.

Basicamente, as aves são recheadas e longamente marinadas em vinho do porto antes de nele serem cozidas até que as carnes fiquem macias e o molho reduzido. Só depois vão ao forno – em caçarola tapada –, onde lentamente refinam os sabores, a elegância e a textura macia.

Para acompanhar, os vinhos têm de alinhar pela textura elegante, mas ao mesmo tempo com intensidade de sabor e uma acidez capaz de aguentar o embate com a riqueza e complexidade de sabores do cozinhado.

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Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Arroz de Cogumelos

Depois de os bosques terem absorvido as primeiras chuvas, cria-se o ambiente para o desenvolvimento dos fungos.

Em Portugal, a grande maioria das espécies de cogumelos é mais visível a partir de Outubro, dai que sejam muitas vezes referidos como a fruta do Outono, mas convém que se conjuguem todas as cautelas quando a ideia é levá-los ao tacho. Para os não-especialistas – e é preciso ser mesmo especialista –, o melhor é recorrer aos que são criados em viveiro, com oferta crescente e de qualidade.

Pela estrutura e suculência, quando conjugados com arroz carolino, os boletos são deliciosos e envolventes. Começando por um refogado com a adição de um pouco de vinho branco e só depois acrescentando o arroz. O grão de carolino começa por se envolver e absorver o sabor e a oleosidade dos cogumelos, só depois se vai acrescentando água, cozinhando lentamente. Fica como um risoto, húmido e oleoso, mas impregnado do sabor dos cogumelos. Pede vinhos igualmente cremosos, com sabor intenso e frescura distinta.

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Adelaide Carneiro

Clarinhas de Fão

Passando ao lado das questões da origem, ingredientes e genuinidade dos pastéis de Fão, que são várias as teorias e múltiplos os argumentos, convém assentar no princípio de que são pastéis de massa frita com recheio de chila e doce de ovos.

Tratando-se de um doce, o mais consensual é que se harmonize com vinhos onde a doçura se imponha no palato, se bem que igualmente marcados pela componente ácida. E se há muitos Vinhos Verdes com algum grau de doçura – ainda, diríamos –, o certo é que neste caso é muito maior o grau exigido, que só se encontra nos vinhos feitos a partir de uvas passificadas ou de colheita tardia.

Menos óbvia, mas igualmente eficaz se pode mostrar a harmonização por contraste, o que pode ser feito com um espumante bruto, com boa estrutura e acidez, coisa que hoje abunda nos Vinhos Verdes.


Este artigo foi publicado no n.º 6 da revista Singular.

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