Sabotagem do Nord Stream “muda a natureza do conflito”

Ministra do Interior da Alemanha diz que é preciso preparação para “cenários antes inimagináveis”. Há mais infra-estruturas que poderiam ser vulneráveis.

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Os efeitos da fuga de gás ao largo da costa da Suécia EPA/SWEDISH COAST GUARD / HANDOUT

A guarda costeira sueca anunciou que encontrou mais uma fuga nos gasodutos Nord Stream, juntando-se às três descobertas na segunda-feira, duas no Nord Stream 1 e uma no Nord Stream 2, quando o Kremlin acusou os Estados Unidos pela acção de sabotagem, e a União Europeia prometeu uma resposta robusta sem apontar directamente o dedo à Rússia.

Um responsável europeu declarou à Reuters sob anonimato que este ataque “muda a natureza do conflito” tanto quanto a mobilização parcial na Rússia e a anunciada anexação de território da Ucrânia por Moscovo, tudo passos que o regime de Vladimir Putin está a dar e que deixam ainda menos margem para soluções negociadas, que já eram diminutas.

A ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, disse que o país tem de se preparar para “cenários antes inimagináveis”. A Noruega e a Dinamarca já anunciaram um aumento de segurança na infra-estrutura de energia, e a União Europeia deverá discutir a questão num encontro na próxima semana em Praga.

As fugas dos gasodutos deverão parar na segunda-feira, segundo um porta-voz da Nord Stream AG, empresa onde a estatal russa Gazprom tem uma posição maioritária.

Sabe-se que as rupturas foram causadas por explosões, que foram registadas em sismógrafos suecos e dinamarqueses, simultâneas em locais afastados dos dois gasodutos, que ligam a Rússia directamente à Alemanha. Nenhum dos gasodutos estava em funcionamento. No Nord Stream 1, a Gazprom tinha parado o fornecimento à Alemanha depois de o ter vindo a diminuir para apenas 20%, no que Berlim diz ser um uso do gás como arma, para chantagear a fazer subir os preços (o que conseguiu), e o Nord Stream 2 nunca chegou a funcionar: foi suspenso oficialmente pela Alemanha mal se tornou evidente que a Rússia ia invadir a Ucrânia.

O Presidente russo, Vladimir Putin, disse que perante os alegados problemas técnicos do Nord Stream 1, o Nord Stream 2 seria a alternativa; a Alemanha rejeitou liminarmente. Especialistas temem que os danos tenham inutilizado permanentemente o Nord Stream 1 e deixado apenas uma das vias do 2 com possibilidade de utilização futura – uma avaliação feita, no entanto, antes da comunicação da quarta fuga.

Mesmo sem estarem a transportar gás, os dois tinham gás no seu interior, e é este que está a sair, causando problemas ambientais. Não é a primeira vez que a Rússia é acusada de prejudicar o ambiente por causa da diminuição das entregas de gás na Europa: no final de Agosto, a consultora norueguesa Rystad dizia que a Rússia estará a queimar todos os dias cerca de 4,34 milhões de metros cúbicos de gás natural — no valor de dez milhões de euros — quantias antes destinadas ao mercado europeu.

Ouvidos nos media alemães, vários analistas sublinhavam que o tipo de operação só poderia ter sido levado a cabo por um Estado. O tipo de conhecimento e preparação necessários não estariam simplesmente ao alcance de um actor não estatal, disse à estação de televisão pública alemã ARD Peter R. Neuman, professor do King’s College de Londres e especialista em segurança. Neuman sublinhou que não se pode dizer com 100% de certeza quem foi responsável pelo ataque – e que há uma boa possibilidade de nunca se poder provar com toda a certeza quem esteve por trás da acção de sabotagem.

Mas há vários factores que apontam para a Rússia, declarou. “Primeiro poder-se-ia pensar que o Estado russo não teria interesse nisso porque nos quer vender gás, mas há muitos argumentos que fazem pensar numa autoria russa”, disse Neuman. Porque “há uma consequência económica no mercado”, onde os preços do gás aumentam. “E há uma dimensão política e uma consequência psicológica muito importante: neste momento toda a gente na Europa se pergunta, se isto pode acontecer nestes gasodutos, o que seria se acontecesse num onde estivesse a passar petróleo ou gás?” Isto acontece ainda numa altura em que começou a funcionar outro gasoduto, que leva gás da Noruega para a Polónia.

A incerteza aumentou na Europa, e “isso é do interesse russo”, conclui Neuman. “É um efeito psicológico que faz parte da guerra híbrida, se tiverem sido os russos”.

Gerhard Schindler, antigo responsável da espionagem alemã, disse ao diário alemão Die Welt que a Rússia é a única hipótese que pode realmente ser considerada, não só pela capacidade como, “especialmente, porque é quem ganha mais com esta acção de sabotagem”.

Neuman nota que a acção faz com que seja preciso pensar noutras infra-estruturas essenciais debaixo do mar, apontando como exemplo os cabos que trazem Internet para a Europa, desprotegidos em grandes extensões.

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