A Rússia está a queimar o gás destinado à Europa: um “desastre ambiental”

Perante uma Europa a braços com uma crise energética e a subida dos preços do gás e combustível, a Rússia queima, por dia, dez milhões de euros em gás. Investigadores alertam para “desastre ambiental”.

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Imagens da queima de gás em Portovaya, na Rússia Reuters/STRINGER

Enquanto a Europa procura estratégias para responder ao aumento do preço do gás, a Rússia está a queimá-lo e a lançá-lo para a atmosfera. São cerca de 4,34 milhões de metros cúbicos de gás natural — no valor de dez milhões de euros — incinerados todos os dias, antes destinados ao abastecimento dos mercados europeus.

De acordo com um relatório da Rystad, consultora de energia sediada na Noruega, trata-se de um desastre ambiental a ocorrer a poucos quilómetros da fronteira da Finlândia, em instalações russas de processamento de gás natural liquefeito (GNL), que entra depois no gasoduto Nord Stream 1, com ligação à Alemanha.

Embora a combustão de gás natural seja prática comum nestas centrais, por motivos de segurança, o aumento do volume de gás queimado nos últimos meses tem preocupado investigadores e ambientalistas. O processo também chamado flaring resulta numa explosão e liberta grandes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera, além de fuligem, comprometendo a qualidade do ar.

Queima de gás natural nas instalações de Portovaya, na Rússia. REUTERS/Stringer
Costa do Golfo da Finlândia. REUTERS/Stringer
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Queima de gás natural nas instalações de Portovaya, na Rússia. REUTERS/Stringer

Desde Junho, mês em que a queima de gás nestas instalações aumentou substancialmente, que se levanta outra preocupação ambiental: a aceleração do degelo no Árctico.

A noroeste de São Petersburgo, a central detida pela Gazprom fica no Círculo Polar Árctico. Isto significa que a fuligem proveniente da decomposição de combustíveis pode chegar ao Árctico, acumular-se na neve e no gelo e acelerar o seu derretimento.

“Esta fuligem tem, sem dúvida, um impacto no aquecimento global”, explicou Esa Vakkilainen, investigador da Universidade de Tecnologia de Lappeenranta, na Finlândia, citado pela agência Reuters. Segundo os seus cálculos, a Gazprom pode ter queimado até mil euros em gás por hora nos últimos dois meses.

“É difícil quantificar volumes exactos, mas acreditamos que estejam a ser queimados cerca de 4,34 milhões de metros cúbicos de gás por dia”, o que equivale a 0,5% do consumo diário de gás na União Europeia, clarificam os investigadores da Rystad, sobre as conclusões apresentadas nesta sexta-feira.

O desperdício de gás acontece num momento em que a Rússia ameaça empurrar a Europa para uma crise energética durante o próximo Inverno, limitando mais uma vez o fornecimento de energia à Alemanha e outros grandes compradores.

“Embora as razões da queima sejam desconhecidas, o volume, as emissões, o local das chamas são uma demonstração visível da supremacia russa nos mercados energéticos europeus”, afirmou Sindre Knutsson, da Rystad Energy.

No ano passado, Moscovo assegurou 45% do total das importações de gás da União Europeia, segundo a Agência Internacional de Energia. Já este ano, as exportações de gás da Rússia para a Europa diminuíram 77%, em comparação com o mesmo período de 2021.

“Não há aviso mais claro — a Rússia podia fazer baixar os preços da energia já amanhã. Trata-se de gás que, de outra forma, seria exportado através do Nord Stream 1”, ou de canais alternativos, para a Europa, acrescentou Knutsson.

Depois de suspender a utilização do Nord Stream 1 em Julho para alegados trabalhos de manutenção, um novo anúncio da Gazprom voltou a agitar o mercado energético. Moscovo reduziu o fluxo do gasoduto para 20% da sua capacidade total e avisou que o voltará a interromper entre 31 de Agosto e 2 de Setembro, justificando o bloqueio com nova manutenção das infra-estruturas.

Já na perspectiva europeia, o objectivo do Kremlin é claro: usar o gás como arma política e de guerra, contra as sanções impostas pelo Ocidente em resposta à invasão da Ucrânia.

Contudo, a Gazprom não consegue simplesmente fechar as torneiras para ajustar a produção de gás, daí ter de queimar o excedente. Uma das hipóteses para o verdadeiro motivo da queima avançada por especialistas citados pela BBC é que a gigante da energia russa não queira fechar a central de processamento de GNL, já que reactivá-la teria mais custos e seria mais difícil.

Podem também tratar-se de problemas técnicos nas infra-estruturas, problemas na transformação do gás ou resultar dos embargos comerciais impostos pelo Ocidente, impedindo a Rússia de adquirir equipamentos que não produz. Independentemente dos motivos da Gazprom, que, segundo a Reuters, optou por não comentar o caso, as consequências estão à vista.

“A queima é um desastre ambiental com cerca de 9000 toneladas de CO2 a serem emitidas diariamente”, alertam os investigadores da Rystad. “As chamas da combustão são perfeitamente visíveis, talvez uma mensagem de que o gás está pronto e à espera de fluir para a Europa, caso as boas relações políticas sejam retomadas.”

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