Nos 11 anos do P3, 11 preocupações de jovens — e outras tantas ideias para o país

No dia de aniversário do P3, convidámos algumas caras que por aqui já passaram — e outras novas — para contarem o que as preocupa no país. E quisemos saber: se pudesses dar uma ideia a quem governa, qual seria?

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Ana Gabriela Cabilhas, 25 anos

“Preocupa-me o processo de emancipação jovem. Não conseguimos projectar nem construir a nossa vida com dignidade e segurança. A maioria dos jovens portugueses que consegue ter um emprego é precário e, por isso, não há estabilidade para construir família. Soma-se a isto uma incapacidade de pagar casa e, sem dinheiro, adia-se o nosso futuro. É por isso que Portugal é o país da União Europeia onde os jovens saem mais tarde de casa dos pais.

A pluralidade dos tectos de idade jovem no nosso quadro legal e político deixa-nos desprotegidos, sem previsibilidade nem estabilidade. Por exemplo, o IRS jovem abrange pessoas até aos 26 anos, o Porta 65 inclui jovens até aos 35, nas medidas de apoio às famílias recentemente apresentadas o Estado paga 50 euros por cada jovem dependente até aos 24 anos. Seriam muitas as ideias de políticas direccionadas aos jovens, mas começo pela definição do tecto da idade jovem nas políticas de promoção de emprego e de acesso à educação, porque não há coerência entre estes 24, 26 e/ou 34 anos.”

Miguel Duarte, 30 anos

“Uma das coisas que mais me preocupa neste país é a maneira como temos tratado os migrantes, que são cerca de 4 ou 5% da população que aqui vive. Continuamos a tratá-los como se fossem criminosos. E a migração como se fosse um caso de polícia. Temos centros de detenção para pessoas que simplesmente se atrevem a migrar: detemos pessoas que não cometeram qualquer crime — porque migrar não é um crime. Temos muitos migrantes a trabalhar sem quaisquer direitos, porque em Portugal pode-se ter um contrato de trabalho sem ter visto de residência, e o SEF muitas vezes demora anos para dar continuidade aos processos de quem pede visto de residência.

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Gabriela, Miguel e Airton

Aquilo que nós, enquanto país, precisamos de fazer é começar a tratar os migrantes como uma parte íntegra, substancial e absolutamente fundamental da sociedade portuguesa. Temos de parar de deter pessoas que não cometeram nenhum crime, regularizar o mais depressa possível as pessoas que contribuem neste país, que pagam impostos e sustentam boa parte da nossa segurança social. É preciso que comecemos a olhar para a migração como um direito fundamental e não como um crime.”

Airton Caeser Monteiro, 25 anos

“Preocupa-me a forma como a identidade portuguesa é criada e difundida — e como acaba por excluir pessoas. A identidade portuguesa revolve muito à volta do passado colonial. Foi assim que foi criada. E, passados estes anos todos e com a imigração, acabamos por ter pessoas que fazem cada vez mais parte do tecido social, mas a identidade exposta nos media e na produção cultural no geral acaba por excluir e invisibilizar estas pessoas. E isso é feito e mantido por via daquilo que estudamos no nosso percurso académico.

Uma forma de combater o problema é através da descolonização dos currículos académicos; do ensino do passado colonial, com Portugal a retractar-se, a admitir a culpa e os erros. Não é uma revisão da História, mas daquilo que se celebra, do que se deve ter orgulho, e até daquilo que está no espaço público, como as estátuas e os monumentos.”

Helena Trigueiro, 27 anos

“Preocupa-me o desencanto e o desapego. Acho que o desencanto nasce [da perspectiva] de um futuro muito mais inseguro do que o dos nossos pais. O desapego à natureza, à cultura, aos nossos recursos. Não acho justo apontar o dedo a uma geração em que, por exemplo, ter fome é a realidade de mais de um em cada dez jovens em Portugal. E em que a ideia de ter uma habitação própria parece um sonho lindo, mas nunca acabado. E é difícil sonhar com fome.

Gostaria de ver mais investimento em estratégias políticas que reconhecem que nós não somos ilhas. E que cumprem a premissa de que não se governa para o futuro sem pensamento de sistemas. Gostava de ver mais investimento, por exemplo, no nosso Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Não sei como será a vida nos próximos 11 anos; mas teremos sempre de comer. E que bom seria se o pudéssemos fazer de forma saudável e sustentável.”

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Helena, Mag e Dejanira

Mag Rodrigues, 31 anos

“Vou escolher esta causa: os episódios e as manifestações de ódio, transfobia e de homofobia. E em relação a qualquer grupo da comunidade LGBTQI+. É bastante preocupante e temos visto que é dado tempo de antena a estes discursos que passam a fasquia da opinião e entram em discurso de ódio.

Podemos tentar combater este flagelo implantando ou pensando sobre políticas específicas de combate a esta discriminação. Falar sobre a existência da comunidade LGBTQI+ nas escolas, abordar o assunto o mais cedo possível. Incluir esta temática nos currículos dos cursos superiores. Apostar na educação e na formação para o respeito pelo outro.”

Dejanira Vidal, 20 anos

“Este ano houve, pelo menos, 22 mortes por violência doméstica. Sabemos que a disparidade salarial entre homens e mulheres está nos 16% em Portugal e que a violência obstétrica tem assombrado o país, com inúmeras urgências obstétricas fechadas e pelo menos 119 mortes de recém-nascidos. O SNS e os outros meios de protecção têm vindo a falhar constantemente com as mulheres.

A violência de género não vai ser resolvida de um dia para o outro, com a criação de uma lei. É necessário que exista um pensamento feminista e antipatriarcal na sociedade em geral, na Assembleia da República e no Governo. É necessário que todas as mulheres se sintam protegidas [e isso pode ser conseguido] com um maior investimento no SNS. Seja na gravidez, no parto, na interrupção voluntária da gravidez. É também necessário existir, por parte do poder judicial, uma efectivação das penas contra os agressores de violência doméstica e que as nossas forças competentes protejam as vítimas de violência doméstica.”

Gonçalo Paulo, 25 anos

“A nossa actual trajectória em relação a medidas contra as alterações climáticas é preocupante. Continuamos a falar de um novo aeroporto, da necessidade de expansão do porto de Sines ou da construção do novo gasoduto. E, apesar de haver alguns programas de apoio a famílias para as energias renováveis, é óbvio para mim que não estamos a tomar a crise climática como uma prioridade. Podíamos estar a fazer muito mais.

É necessário um plano de transição energética estruturado, que não seja só baseado em deixar o mercado funcionar e esperar que as empresas façam uma transição que, como já vimos, nunca vai ser justa para os trabalhadores. O fecho das centrais de carvão de Sines ou da refinaria de Matosinhos foram exemplificativos, o contrário do que se espera de uma transição energética. É necessário ser ainda mais ambicioso nas nossas metas, começando por não fazer a expansão do Porto de Sines ou do gasoduto, por não construir um novo aeroporto, principalmente quando a nossa ferrovia é tão débil. Um investimento maior nas infra-estruturas de transportes públicos seria, para mim, uma prioridade.”

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Gonçalo, Rita e Sara

Rita de Almeida Neves, 30 anos

“Acredito que a ciência pode mudar o mundo e preocupa-me ver como, apesar do investimento na formação do talento em ciência em Portugal, na criação de know how, na quantidade de cientistas brilhantes que temos, não há uma estrutura que posteriormente dê estabilidade aos jovens que se dedicam à investigação e à ciência.

Gostava de ver um compromisso a médio/longo prazo, uma espécie de plano para a ciência e inovação em Portugal — mas com investimento estruturado. Um sistema que permita a criação de riqueza e emprego competitivo para os jovens cientistas e que inclua também promoção de estratégias de educação em ciência e tecnologia. Mas gostava que este plano fosse construído a par e passo com os nossos cientistas, que houvesse esta ligação entre o poder político e a ciência. Através deste plano, com investimento a 20 anos, por exemplo — sei que pode parecer utópico —, podemos reduzir as desigualdades sociais, através da promoção da educação baseada no conhecimento das várias ciências. A curto prazo é essencial e determinante que os jovens cientistas tenham lugar em centros de excelência, em empresas de biotecnologia, e que haja investimento e reforço urgente nesse sentido.”

Sara Rocha, 32 anos

“Uma das coisas que mais me preocupa no país é a falta de inclusão das minorias e das pessoas vulneráveis. Quando falamos de desenvolvimento de políticas sociais é raro incluirmos as minorias a quem estas políticas vão afectar. E isso pode levar a que elas acabem por não ir ao encontro das necessidades das pessoas e, potencialmente, por prejudicá-las.

Deveria haver um envolvimento muito maior das pessoas com deficiência ou das pessoas pertencem a minorias no desenvolvimento das políticas. É essencial começarmos a apoiar a auto-advocacia em Portugal e o envolvimento das pessoas com deficiência nas suas próprias políticas e no desenvolvimento de um país mais inclusivo.”

Mafalda Fernandes, 25 anos

“Preocupam-me as comunidades vulneráveis, que o são seja por questões económicas, raciais, de orientação sexual, pessoas com deficiência. Preocupa-me a incapacidade do Estado em dar resposta a estes grupos vulneráveis. Porque, pelas características que as tornam vulneráveis, essas pessoas acabam por não ter recursos para conseguir sair dessa vulnerabilidade.

As discriminações podem ser evitadas através de uma construção de empatia e isso é algo que pode ser fundamentado na educação. O Governo deve ter um papel fundamental no sentido de promover a educação cívica. Acredito também que os problemas que afectam estas comunidades podem ser resolvidos se o Estado a apoiar associações não-governamentais ou até mesmo empresas. Dar formação a pessoas a empresas, para que percebam a importância de serem inclusivas. Dar voz a organizações e até pessoas individuais que se preocupam e têm como prioridade dar resposta a estes problemas sociais.”

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Mafalda e Noah

Noah Zino, 20 anos

“O que mais me preocupa hoje é a crise climática, que causa mais migrações do que todas as guerras juntas e só vai piorar se não houver acção drástica. Preocupa-me o investimento suicida em combustíveis fósseis e aeroportos. E um sistema económico cujo motor é a exploração dos mais afectados.

Não dou nenhuma ideia aos governantes. Já foram todas dadas e eles não fizeram nada. Podemos mudar este sistema, em conjunto, com mobilizações massivas. Mas isso não requer governantes. [Precisamos de] serviços básicos incondicionais, energias renováveis, ferrovia, habitação, saúde, alimentação. Temos de exigir em comum a única coisa realista: a vida no centro.

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