O bolsonarismo veio para ficar

Em tempo, a participação parlamentar dos filhos do presidente Bolsonaro garante, por si só, linha de projeção intergeracional, sendo indicativo de que o fenómeno não é apenas passageiro.

O panorama político brasileiro passa por profunda mudança estrutural. As forças tradicionais minguam frente ao surgir de novos arranjos e fórmulas de participação democrática. No correr da vida republicana, o processo de reabertura política, pós-regime militar de 64, viu a esperança de Tancredo Neves desaguar no continuismo de José Sarney; no voto direto, o soluço juvenil e ambicioso de Collor acabou em impeachment, cedendo espaço para a experiência de Itamar Franco; feito o Plano Real, tivemos 8 anos de governo FHC que, diante da estabilidade económica, conseguiu implementar importantes reformas ao país; chegou-se, então, aos anos de hegemonia petista, Lula, Dilma, denúncias e processos por graves esquemas de corrupção, a Lava Jato capitaneada pelo juiz Sérgio Moro, mais um impeachment e o governo de Michel Temer.

Definitivamente, não foram poucos os fatos e acontecimentos históricos do período. Mas os brasileiros cansaram.

Cansaram de serem esquecidos por uma política indecente. Cansaram de não ter escolas para seus filhos. Cansaram de não ter hospitais para os velhinhos. Cansaram de não terem transporte público de qualidade. Cansaram de serem assaltados, tantas vezes à mão armada, nas ruas de nossas cidades. Cansaram de pagar bilhões de impostos e pouco ou nada receber em troca. Cansaram da mentira política desbragada. Cansaram da corrupção sistémica. Cansaram da impunidade reinante. Cansaram de acreditar em promessas que jamais se realizaram.

Chegamos, então, a 2018 e um candidato improvável, sem brilho nem peias, venceu a corrida presidencial. Sem cortinas, Jair Messias Bolsonaro era uma espécie de anticandidato que representava a indignação das pessoas contra o sistema posto. O violento atentado sofrido em praça pública, sendo chocantemente esfaqueado à luz do dia, causou a comoção social necessária para referendá-lo à vitória nas urnas. Nascia, aí, um fato político absolutamente novo e incerto no tradicional ambiente do poder brasileiro.

Vencido o pleito, era preciso governar e, fundamentalmente, manter acesa a chama do impacto sobre o statu quo. Os expoentes da almejada transformação bolsonarista se dariam em 3 eixos: (i) rompimento com o chamado “Centrão” e estabelecimento de nova forma de negociação política parlamentar; (ii) Sérgio Moro na pasta da Justiça representaria a continuidade do combate à corrupção; e (iii), na Economia, a presença do ministro Paulo Guedes asseguraria o inaugurar de um liberalismo autêntico no país, em favor da abertura de mercado e de combate ao estatismo ultrapassado, de forma a criar condições de desenvolvimento e crescimento acelerados. Passados quatro anos, transitando entre o vale triste e mortal da pandemia de coronavírus, muitas promessas restaram condenadas ao pó, arrefecendo a confiança de muitos na propalada retórica de rompimento com a velha política.

Apesar do fracasso de muitas pautas governamentais, as eloquentes manifestações cívicas de 7 de setembro demonstram que o bolsonarismo é uma força viva e popular da política brasileira, apresentando possibilidades reais de reeleição em 2022. Emparedado e sem outras lideranças capazes de enfrentar Bolsonaro, o PT e seus satélites de esquerda ressuscitaram a candidatura de Lula, acreditando que seu recall junto às massas será capaz de representar maioria na urnas. A manobra em looping político é de alto risco. Isso porque a atual sociedade em redes não esquece tão facilmente os graves fatos do passado. Basta, aliás, pesquisar na Internet as palavras “mensalão” e “petrolão” que um rio de ilicitudes aparecerá na tela do smartphone. E, nesse movimento de águas turvas, a barragem do marketing digital pode ruir diante da pressão recorrente de verdades que não se deixam calar.

Independentemente do resultado eleitoral, o fato é que o bolsanarismo é uma realidade da política brasileira; veio para ficar e não terá a efémera vida das rosas. Em tempo, a participação parlamentar dos filhos do presidente Bolsonaro garante, por si só, linha de projeção intergeracional, sendo indicativo de que o fenómeno não é apenas passageiro. Sim, o lulismo encontrou outra força popular que fala e olha nos olhos do povo. Podemos, naturalmente, questionar a forma, os hábitos e as expressões do bolsonarismo à luz de um republicanismo alto. Só não podemos, todavia, negar a sua existência e representatividade no atual contexto democrático brasileiro.

Se vencerá o pleito, é impossível dizer. Mas, eventualmente superado, o bolsonarismo será veemente força de oposição, tanto no Parlamento, como nas ruas do Brasil por seu civismo ativo, agora, revigorado. E, uma vez vencedor, poderá significar o ocaso definitivo do PT e de Lula, como o grande derrotado.

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