Os pés de barro do ensino superior e ciência

Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tem de intervir imediatamente na melhoria das condições de trabalho e de carreira de investigadores e professores.

Nas últimas semanas foi notícia que universidades portuguesas obtiveram ainda melhores classificações nos rankings internacionais, o que indicia que no nosso país se produz ciência cada vez mais relevante. E, no ano letivo que agora se inicia, há novamente um número muito elevado de estudantes a matricular-se pela primeira vez em licenciaturas e mestrados integrados, tal como sucedeu nos últimos dois anos. Em paralelo, tem igualmente aumentado o número daqueles que prosseguem estudos em mestrados, pós-graduações e doutoramentos. Globalmente, entre 2019 e 2021, o total de matriculados no ensino superior português aumentou em cerca de 40.000.

Estas ótimas notícias refletem a qualidade do trabalhado de investigadores e professores em Portugal e demonstram como é importante prosseguir o rumo da qualificação da população. Mas esta afirmação crescente da ciência portuguesa e o aumento recente de estudantes nas universidades e politécnicos têm pés de barro. Os alicerces que sustentam a ciência e ensino superior em Portugal têm vindo a ser enfraquecidos nos últimos anos. Cada vez menos professores trabalham a tempo integral com exclusividade no ensino superior público: de 65% em 2012/13 passamos para 53% em 2018/19 e tudo indica que essa diminuição se agravou durante a pandemia. Ou seja, o grupo de alunos em aumento e cada vez mais diverso é acolhido por um número crescente de docentes convidados em condições precárias e tem exigido horas de trabalho extra não remuneradas de professores. A situação é ainda mais preocupante entre os investigadores que têm vindo a ser contratados transitoriamente na sua esmagadora maioria, o que se torna evidente quando se constata que em 2021 abriram 616 vagas para posições a termo e 24 para a carreira de investigação científica. Aliás, as dificuldades e pressões sentidas por todos estes profissionais têm impactos negativos, nomeadamente na elevação dos níveis de stress e burnout que vários estudos têm vindo a indicar.

Sem reverter estas fragilidades, a expansão da ciência e do ensino superior em Portugal não é sustentável. É preciso garantir financiamento para a contratação de profissionais em número suficiente, integrados e reconhecidos nas suas carreiras. Trata-se de uma condição essencial para promover a continuidade e a qualidade do trabalho desenvolvido nas instituições. É igualmente necessário assegurar instalações, infraestruturas e equipamentos adequados, para que um número crescente de estudantes possa sentar-se em salas de aula e participar em atividades de aprendizagem em bibliotecas, laboratórios e com recurso a tecnologias. A este propósito, recorde-se que dados divulgados em julho pela Direção-geral de Estatísticas de Educação e Ciência revelaram que, em 2020/21, se registou o valor mais elevado de alunos que abandonaram o ensino superior desde há 8 anos. Ou seja, desperdiçamos o talento de muitos interessados em finalizar um curso se não garantirmos as condições adequadas para os acolher nas universidades e politécnicos.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tem de intervir imediatamente na melhoria das condições de trabalho e de carreira de investigadores e professores, sendo que não bastam aumentos residuais de financiamento em cada Orçamento de Estado. Sem uma estratégia política e ações concretas para os profissionais da ciência e ensino superior, adivinha-se que em breve viveremos um cenário muito idêntico ao que tem sido denunciado nos hospitais e nas escolas de ensino básico e secundário nos últimos meses. A deterioração das condições de emprego e remuneração dos doutorados em Portugal faz com que procurem trabalho noutros países, desperdiçando-se recursos humanos altamente qualificados. O tempo não para e é agora urgente uma política nacional que fortaleça os alicerces do edifício, por forma a promover a sustentabilidade do importante aumento do número de estudantes e dos valiosos contributos da ciência que se produz em Portugal.

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