Ligações entre ministros e controverso grupo religioso forçam remodelação no Governo japonês

Em queda nas sondagens, em parte devido à desconfiança do eleitorado em relação à influência da Igreja da Unificação no seu partido, Fumio Kishida escolheu caras novas para a Defesa, a Justiça, a Economia e a Saúde.

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Fumio Kishida, primeiro-ministro do Japão HOW HWEE YOUNG/EPA

O primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, promoveu esta quarta-feira uma profunda remodelação no seu Governo para tentar contrariar a perda de popularidade revelada pelas sondagens e para abafar a onda de críticas às ligações entre ministros e membros de topo do Partido Liberal Democrático (LDP) e a Igreja da Unificação.

A dança de cadeiras em Tóquio inclui novos nomes para a chefia dos ministérios da Defesa (Yasukazu Hamada), da Justiça (Yasuhiro Hanashi), da Educação (Keiko Nagaoka), da Saúde (Katsunobu Kato), da Economia (Yasutoshi Nishimura) e do Ambiente (Akihiro Nishimura), entre outros.

Embora fosse conhecida do grande público há algum tempo, a influência do poderoso e controverso grupo religioso no maior partido do Japão transformou-se numa fonte de grande desconfiança junto do eleitorado depois do assassínio do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, num comício em Nara, há cerca de um mês.

Um dos argumentos apresentados pelo suspeito do homicídio — um ex-militar da Marinha japonesa, que disparou dois tiros contra Abe — foi o de que a sua mãe era membro da Igreja da Unificação e, motivada pela suposta promoção do grupo religioso feita por figuras do LDP, tinha ficado falida devido aos donativos generosos que fez.

O tema entrou rapidamente para o debate público e, em apenas três semanas, a popularidade de Kishida caiu de 59% para 46%, segundo a sondagem divulgada na segunda-feira pela emissora pública NHK, na qual 82% dos inquiridos apontaram a falta de transparência das ligações entre o LDP e a igreja como um dos principais factores de descrença no chefe do Governo.

É a pior avaliação desde que Kishida chegou a primeiro-ministro, em Setembro do ano passado. Em Outubro, consigo ao leme, e apesar da vitória, os conservadores japoneses já tinham perdido deputados na câmara baixa do Parlamento.

“[Kishida] está, basicamente, a fazer controlo de danos. Aquilo a que as pessoas estão verdadeiramente atentas é à Igreja da Unificação”, diz o analista político Atsuo Ito, citado pela Reuters.

Culto de Moon

Também conhecida por Federação da Família para a Paz Mundial e Unificação, a Igreja da Unificação foi fundada em 1954, na Coreia do Sul, por Sun Myung Moon, um activista anti-comunista, falecido em 2012, que se autoproclamou um “novo messias” e que defendia uma reinterpretação da Bíblia e do catolicismo.

Tratado como um culto perigoso pelos seus críticos, o grupo religioso expandiu-se durante a Guerra Fria por vários países asiáticos e conquistou influência em diversos partidos conservadores.

De acordo com o jornalista japonês Eito Suzuki, especialista em assuntos religiosos, a Igreja da Unificação partilha com o LDP a oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e a revisão da Constituição pacifista do Japão.

Ahn Ho-yeul, porta-voz do grupo, diz que dos dez milhões de crentes espalhados por todo o mundo, cerca de 600 mil estão no Japão, um número que, ainda que não oficial, faz da Igreja da Unificação a quarta maior congregação religiosa do país nipónico.

Desafios na Defesa

Segundo o Japan Times, entre as várias dispensas no Governo há pelo menos sete agora ex-ministros com ligações ao movimento de Moon. Um dos casos que está a gerar mais interesse é o de Koichi Hagiuda, que não tem laços assumidos com a Igreja da Unificação, mas que confirmou ter participado recentemente num evento patrocinado pelo grupo.

Figura próxima de Abe, Hagiuda foi afastado do cargo de ministro da Economia. Ainda assim, uma vez que é um dos representantes mais respeitados e influentes junto da facção ideológica do malogrado ex-primeiro-ministro, maioritária no LDP, foi transferido para o importante cargo de presidente do Conselho de Investigação Política do partido.

A troca na chefia do Ministério da Defesa também é significativa, mas mais por causa dos importantes desafios securitários que o Japão enfrenta. Nobuo Kishi (irmão de Abe) foi substituído por Yasukazu Hamada (já tinha ocupado o cargo entre 2008 e 2009), que terá difíceis dossiês em carteira.

Para além da supervisão do complexo projecto de revisão do artigo 9.º da Constituição — segundo o qual o Japão “renuncia para sempre à guerra como direito soberano da nação e à ameaça ou uso da força como forma de resolver disputas internacionais” —, Hamada também terá de lidar com os efeitos da deterioração das relações com a Rússia, com as quais o país tem disputas territoriais, por causa da guerra na Ucrânia; com as ambições e com a expansão da China pelo Indo-Pacífico; com a crise securitária em Taiwan; e com o interminável problema do programa nuclear norte-coreano.

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