Senadora indígena australiana chama “colonizadora” a Isabel II ao tomar posse

Presidente do Senado obrigou Lidia Thorpe a repetir o juramento por causa da referência crítica à rainha britânica e chefe de Estado da Austrália. Dirigente política dos Verdes insiste que a soberania do país “nunca foi cedida”.

Foto
Isabel II cumpriu recentemente 70 anos de reinado TOM NICHOLSON/Reuters

Lidia Thorpe, uma senadora australiana de ascendência aborígene, do partido Verdes Australianos, foi obrigada a repetir o seu juramento solene nesta segunda-feira, depois de ter chamado “colonizadora” à rainha britânica Isabel II, chefe de Estado da Austrália.

“Juro solenemente e sinceramente que serei fiel e que devo verdadeira lealdade à colonizadora sua majestade, a rainha Isabel II”, disse Thorpe, na primeira declaração, acrescentando a palavra “colonizadora” ao texto protocolar do juramento na câmara alta australiana.

Face aos protestos audíveis de muitos senadores de outros partidos, Sue Lines, a presidente do Senado, do Partido Trabalhista, chamou a atenção de Thorpe e ordenou-lhe que repetisse o juramento, cingindo-se às palavras “impressas no cartão” que lhe foi dado a ler.

Thorpe anuiu e jurou nos termos formais, mas, pouco depois, recorreu ao Twitter para deixar uma mensagem que sugere que não se arrependeu da primeira declaração.

“A soberania nunca foi cedida”, publicou naquela rede social, fazendo acompanhar a mensagem por uma notícia da Australian Associated Press (AAP) sobre o assunto, com uma fotografia sua, de punho direito erguido, a tomar posse.

Na semana passada, também no Twitter, já tinha criticado a referência a Isabel II no juramento solene: “Estamos em 2022 e estamos a jurar fidelidade a uma rainha de outro país.”

Esta segunda-feira, o líder dos Verdes Australianos, Adam Bandt, deu o seu apoio à tomada de posição de Thorpe e às suas críticas a Isabel II, partilhando a notícia da AAP que refere a acusação feita à rainha e escrevendo, igualmente no Twitter: “Foi sempre. Será sempre.”

Apesar de ainda contar com o apoio do establishment político australiano e da maioria da população, a manutenção da monarca do Reino Unido como chefe de Estado da Austrália, mais de um século volvido da sua independência, tem merecido uma oposição cada vez mais determinada e audível dos movimentos republicanos no país – que se juntam, na sua acção, a iniciativas semelhantes verificadas noutras antigas colónias britânicas, como Nova Zelândia, Barbados ou Jamaica.

Os Verdes Australianos e, concretamente, Lidia Thorpe, têm estado na linha da frente desse combate. Em declarações à radio ABC, em Junho, a senadora do estado de Victoria denunciou a expropriação, o massacre e o genocídio” das populações aborígenes às mãos dos colonizadores britânicos e em nome da bandeira australiana, que, garante, não a representa.

“O projecto colonial chegou aqui e assassinou o nosso povo. Por isso, peço desculpa, mas não estamos satisfeitos. Lamento, mas esta bandeira representa tanto trauma para tantas pessoas – não todas, mas muitas, que são elas aquelas que eu represento”, afiançou.

O novo Governo australiano, liderado pelo primeiro-ministro trabalhista Anthony Albanese – que já demonstrou, mais do que uma vez, a sua abertura para uma transição, a médio-longo prazo, para um modelo político republicano, encabeçado por um Presidente –, está atento ao debate sobre o papel da monarquia britânica na Austrália, tendo inclusivamente nomeado o primeiro secretário de Estado da República do país.

Em declarações ao Sydney Morning Herald, na semana passada, Matt Thistlethwaite, escolhido para o cargo, assumiu que o juramento de fidelidade que os deputados e senadores têm de fazer à rainha britânica na sua tomada de posse é “arcaico e ridículo” e disse que “não representa a Austrália em que vivemos.”

Sublinhando que os australianos “já não são britânicos”, admitiu: “Temos de começar a discutir se queremos ser uma república, com o nosso próprio chefe de Estado.”

Em 1999, em referendo, a maioria dos australianos rejeitou um sistema presidencial, optando por manter os monarcas britânicos como chefe de Estado do país.

Essa eventual alteração constitucional não retiraria, no entanto, quaisquer direitos ou privilégios à Austrália no âmbito da pertença à Commonwealth. Outros Estados, como a Índia, também o fizeram e foram sempre membros de pleno direito da organização internacional sucessora do Império Britânico.

Sugerir correcção
Ler 36 comentários