Draghi demite-se, Presidente rejeita demissão e Itália fica em suspenso

Primeiro-ministro considera que se desmoronou “o pacto de confiança subjacente à acção” do seu executivo de unidade nacional. Irmãos de Itália, partido que lidera as sondagens, quer ir a votos.

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Mario Draghi tomou posse como primeiro-ministro a 13 de Fevereiro do ano passado ANGELO CARCONI/EPA

Aceitou liderar um Governo de unidade nacional e atirou a toalha ao chão quando acredita não ter apoios suficientes para um executivo não político em Itália. O antigo governador do Banco Central Europeu, Mario Draghi, entregou a sua carta de demissão ao Presidente, Sergio Mattarella, o mesmo que em 2021 lhe pediu que lançasse as bases da recuperação da pandemia de covid-19 num país em plena recessão económica. Mattarella recusou, pedindo-lhe que regresse ao Parlamento para verificar se ainda dispõe de uma maioria.

Em Fevereiro do ano passado, todos os partidos com representação parlamentar menos o Irmãos de Itália (pós-fascistas) integraram a coligação no poder. A ameaça da perda de apoio do Movimento 5 Estrelas (anti-sistema), a formação mais votada nas últimas eleições, em 2018, crescia há semanas. Concretizou-se agora, com os eleitos do partido a recusarem participar num voto de confiança a uma proposta no Senado. Draghi venceu a votação na mesma, mas, como explicou num comunicado, considera que “a maioria de unidade nacional que apoiou este governo desde a sua criação já não existe” e dá por acabado “o pacto de confiança subjacente à acção do governo “.

Não era obrigado a demitir-se; aliás, vários partidos de centro-esquerda pediram-lhe que não o fizesse e alguns insistem que a melhor saída para a crise é mesmo um governo “Draghi-bis” – a expressão, que todos conhecem em Itália, sublinha como a situação, apesar de complexa, não é inédita; já nesta legislatura houve um “Conte-bis”, quando Giuseppe Conte, líder do 5 Estrelas e antigo primeiro-ministro, negociou um segundo governo com partidos diferentes sem ir a votos.

“Penso que neste momento seria muito importante a continuidade do governo”, afirmou Enrico Letta, secretário-geral do Partido Democrático (a maior formação de centro-esquerda), quase como se recusasse admitir uma alternativa.

Formalmente, Mattarella pode encarregar Draghi de negociar uma nova maioria. Para já, sabe-se que regressa ao Parlamento na próxima quarta-feira (compromissos internacionais inadiáveis não permitem que o faça antes), para um debate sobre a situação política. Mas a sua rápida demissão depois de confirmada a perda de apoio do 5 Estrelas sugere que possa ter dado por acabado o seu tempo à frente dos destinos do país.

O Presidente quer evitar uma eleição nos meses de Outono – as próximas legislativas estão previstas para a Primavera de 2023 –, no meio da aprovação de projectos para usar os 209 mil milhões de euros disponibilizados para a Itália pelo Plano de Recuperação da UE. Caso Draghi não se mostre disponível, já se discute quem poderá encabeçar um novo executivo de unidade. Só que a extrema-direita exige que os italianos sejam chamados a votar, pondo fim a uma legislatura com excesso de crises políticas, volte-faces e golpes de teatro, mesmo para os padrões italianos.

“Com a demissão de Draghi, esta legislatura está acabada para os Irmãos de Itália”, escreveu no Twitter Georgia Meloni, líder do partido actualmente à frente nas sondagens. “Estou pronta para governar”, sublinhou Meloni, enquanto Matteo Salvini, líder da Liga, que em 2018 encabeçou a coligação da extrema-direita (mas teme agora os resultados de Meloni e os custos eleitorais de ter apoiado Draghi) defendeu que um período de paralisia política seria “impensável” e que “ninguém deve ter medo de devolver a palavra aos italianos”.

"Perplexidade” em Bruxelas

Já o 5 Estrelas de Conte, mergulhado há meses numa crise interna, ainda a gerir uma cisão e a perda de parte dos seus eleitos – e bem em baixo nas sondagens – pareceu ter ficado quase surpreendido com os efeitos da sua decisão. Isto apesar de Draghi ter deixado claro que o Governo não continuaria sem este apoio.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Luigi Di Maio, ex-líder do 5 Estrelas que abandonou o movimento e formou o seu próprio partido, Juntos pelo Futuro, acusou os actuais dirigentes da formação de terem há meses um plano para derrubar Draghi. “Contam com nove meses de campanha eleitoral para subir nas urnas, mas assim condenam o país a cair no precipício económico e social”, afirmou.

Ainda antes da votação, esta quinta-feira, Di Maio ganhou mais um lugar no Senado, com a senadora Cintia Leone a decidir passar para o seu grupo parlamentar, “desiludida com Conte” e “frustrada com as políticas” do 5 Estrelas.

Em Bruxelas, o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, ele próprio ex-primeiro-ministro de Itália, disse que a Comissão estava a assistir aos desenvolvimentos em Itália “com o devido distanciamento, mas com uma preocupada perplexidade”.

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