Di Maio deixa liderança do 5 Estrelas: “Os piores inimigos são os internos”

Ministro dos Negócios Estrangeiros abandona chefia do partido anti-sistema e critica “traições” e “facadas nas costas”. Governo de coligação com o PD volta a estar sobre brasas e Liga quer capitalizar instabilidade nas eleições regionais de domingo.

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Luigi Di Maio é acusado por dirigentes do 5 Estrelas de concentrar demasiado poder EPA/RICCARDO ANTIMIANI

De crise política em crise política. Tem sido este o percurso da governação de Itália desde a realização das últimas legislativas, em 2018 – para não se ir mais longe –, que esta quarta-feira conheceu mais um episódio de instabilidade, com a demissão de Luigi Di Maio da liderança do Movimento 5 Estrelas (M5S), o partido anti-sistema que governa em coligação com o Partido Democrático (PD) desde Setembro e que, com esta decisão, coloca o executivo novamente sob pressão.

“Chegou o momento de nos refundarmos de novo. Hoje acaba uma era. Cumpri a minha missão”, confirmou Di Maio numa reunião partidária, em Roma, revelando que o novo líder do M5S será escolhido no congresso do partido em Março. 

O abandono de figuras destacadas do M5S para outros grupos parlamentares, a perda de popularidade e o estado de convulsão interna que assola o partido desde que trocou a Liga (extrema-direita) pelo PD (centro-esquerda), levou Di Maio a bater com a porta, entre críticas internas, mantendo, no entanto, o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros no Governo liderado por Giuseppe Conte.

Na hora de justificar aos membros e eleitores do partido vencedor das eleições de 2018 a sua decisão, Di Maio garantiu que o Governo “não está em risco” e que a legislatura é para cumprir até ao fim. Depois atirou-se aos “inimigos” do M5S.

“Temos tantos inimigos, mas os piores são os internos. Há muita gente que não trabalha para o movimento, mas para ter visibilidade”, denunciou Di Maio, de 33 anos, citado pelo La Repubblica, implorando: “Chega de facadas nas costas!”.

“Nos últimos meses fui acusado por muita gente de ser demasiado ingénuo. Prefiro se ingénuo do que desonesto. E continuo a pensar assim, apesar das várias traições”, insistiu, defendendo ter feito de tudo para “proteger” o partido de “armadilhas e aproveitadores”.

A saída de Di Maio da direcção do 5 Estrelas é o culminar de uma crise no partido anti-sistema que se arrastava há alguns meses. Vários deputados têm abandonado o grupo parlamentar nas últimas semanas, alguns dos quais para se juntar à Liga. Entre as deserções, destaca-se a saída do ministro da Educação, Lorenzo Fioramonti.

Fundado em 2009, pelo humorista Beppe Grillo, com a missão de se diferenciar dos partidos existentes e rejeitando cooperação com os mesmos, o M5S está a sofrer as consequências da chegada ao poder.

Depois de, num primeiro momento, se ter unido à extrema-direita para governar e, mais tarde, ter aderido a uma coligação com o centro-esquerda, não parece encontrar agora forma de transformar o seu discurso mais radical, e essencialmente de protesto, em acções políticas concretas. O apoio ao moderado Conte é prova disso mesmo.

Para além disso, o M5S está a perder terreno eleitoral, estando neste momento com cerca de 16% das intenções de voto, depois de em 2018 ter alcançado o dobro e vencido a contenda.

 “No momento em que entraram no Governo, [o M5S] entrou numa contradição explosiva”, dizia recentemente ao New York Times o sociólogo da Universidade de Bolonha, Piergiorgio Corbetta. “Os protestos podem ter uma cor qualquer, fazer propostas é difícil, é preciso tornar algumas pessoas descontentes”, acrescentou o académico.

Di Maio, porém, afirmou que o M5S “é e continuará a ser um projecto revolucionário”, “determinante para a Itália”.

A demissão de Di Maio acontece num momento particularmente sensível para a coligação, a poucos dias de eleições regionais na Emília-Romagna (Norte), que o líder da Liga, Matteo Salvini, encara como cruciais para lançar mais uma investida contra o Governo. 

Uma vitória da extrema-direita numa região que historicamente sempre pendeu para a esquerda seria um tremendo golpe para o PD e levaria Salvini a dar novo fôlego aos pedidos de eleições antecipadas – onde a Liga parte como favorita.

Com João Ruela Ribeiro

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