Cirurgiões fizeram dois transplantes de coração de porco em doentes com morte cerebral

Os transplantes foram recebidos em dois homens com morte cerebral e, ao longo de três dias, não foram rejeitados nem deram complicações. É mais um capítulo na história dos transplantes com órgãos de porco.

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Os cirurgiões preparam o coração de porco para o segundo transplante Joe Carrotta/Universidade de Nova Iorque

Uma equipa de cirurgiões da Universidade de Nova Iorque (Estados Unidos) transplantou com sucesso corações de porco geneticamente modificados em duas pessoas com morte cerebral. O sucesso da operação foi confirmado esta terça-feira, alimentando o intuito de podermos usar, no longo prazo, partes de porco para combater a escassez de órgãos humanos para transplante.

Os corações transplantados funcionaram normalmente, sem sinais de rejeição, durante os três dias em que a experiência durou, afirmaram os cirurgiões. Os receptores eram Lawrence Kelly, um homem de 72 anos, e Alva Capuano, homem de 64, ambos já declarados com morte cerebral.

Este transplante é mais um capítulo na história destes transplantes. Em Janeiro deste ano, um homem de 57 anos com doença cardíaca terminal foi o primeiro a receber um coração de porco geneticamente modificado, numa operação na Universidade de Maryland (Estados Unidos). A cirurgia foi uma das primeiras a demonstrar a viabilidade de um transplante de um porco para um humano.

O homem viria a morrer dois meses depois, em Março este ano. As razões pelas quais o novo coração falhou ainda não são claras – no entanto, foram encontradas evidências de um vírus no sangue do homem com transplante, o citomegalovírus suíno.

No caso destes dois mais recentes transplantes de coração em Nova Iorque, os cirurgiões examinaram os orgãos preparados pela empresa biotecnológica Revivicor à procura deste vírus – mas não foi detectada a presença do vírus. Os corações de porco tiveram quatro modificações genéticas para evitar a rejeição por parte do corpo humano e o crescimento anormal de órgãos, bem como outras seis alterações que ajudarão a prevenir incompatibilidades entre porcos e humanos.

Rins de porco e outros modelos

Em 2021, uma equipa de investigadores da Universidade de Nova Iorque (à qual pertenciam alguns dos cirurgiões presentes na operação divulgada agora) também transplantaram rins de porco em dois pacientes com morte cerebral. Estes transplantes “experimentais” permitem recolher mais informação, já que as biópsias podem ser feitas com mais frequência.

Um processo similar de transplante de rins de porco em pessoas com morte cerebral foi detalhado num artigo científico no em Janeiro deste ano, depois de duas operações realizadas pelos cirurgiões da Universidade do Alabama (Estados Unidos) no final de 2021. Esse trabalho foi considerado o primeiro modelo pré-clínico publicado numa revista científica.

“Conseguimos capturar em tempo real tudo o que estava a acontecer durante este período de 72 horas”, diz Robert Montgomery, director do Instituto de Transplantes Langone da Universidade de Nova Iorque que conduziu este transplante. A aquisição, transporte, cirurgia de transplante e imunossupressão foram todos realizados da mesma forma, ou seja, como habitualmente se faz em transplantes cardíacos humanos típicos, adiantam os cirurgiões.

“O nosso objectivo é integrar as práticas usadas num transplante cardíaco típico e quotidiano, apenas com um órgão não humano que funcionará normalmente sem ajuda adicional de dispositivos ou medicamentos não testados”, diz Nader Moazami, director cirúrgico de transplante cardíaco da instituição responsável. Moazami acrescentou ainda que estas duas experiências de 72 horas permitiram já obter muitos dados preliminares, mas ainda falta responder a muitas perguntas antes de iniciar testes de transplante em pessoas vivas.

Há alguns anos que os porcos têm sido vistos como uma fonte para potenciais transplantes dos seus órgãos pelas suas semelhanças aos dos humanos. Esforços anteriores de transplantes de porcos para humanos falharam devido a diferenças genéticas que causaram a rejeição de órgãos ou de vírus que constituíam risco de infecção.

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