Jornalista e perito em indígenas desaparecem na Amazónia após ameaças

Os exploradores desapareceram no domingo no trajecto entre a comunidade de São Rafael e de Atalaia do Norte. Dias antes terão sido ameaçados. O Ministério Público Federal brasileiro activa buscas.

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Bruno Araújo Pereira (esquerda) e Dom Phillips (direita) desapareceram no domingo, há mais de 24 horas DR

Dom Phillips, um jornalista britânico, e Bruno Araújo Pereira, especialista em temas indígenas e responsável por proteger as tribos não contactadas do país, desapareceram este fim-de-semana, durante uma viagem a um dos cantos mais inacessíveis da floresta Amazónia.

O jornalista, que era colaborador do Guardian no Brasil, viajava com o especialista Araújo Pereira, que, segundo avança o jornal britânico, há muito tempo que recebia ameaças devido ao trabalho levado a cabo contra invasores, pescadores, mineradores e madeireiros na Amazónia. Bruno Araújo Pereira colabora com a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e a Funai (Fundação Nacional do Índio).

A última vez que Dom Phillips foi visto com vida foi na região do Javari, no estado do Amazonas, durante o fim-de-semana. Esta é a região com maior concentração de povos isolados do mundo, tem inúmeros rios e florestas tropicais, e situa-se perto da fronteira com o Peru.

Mas esta segunda-feira, os dois exploradores foram dados como desaparecidos pelos líderes indígenas locais. Phillips e Araújo Pereira terão desaparecido no trajecto entre a comunidade de São Rafael e de Atalaia do Norte.

Os exploradores chegaram ao destino inicial (o Lago do Jaburu) na passada sexta-feira e, dois dias depois, a 5 de Junho, rumaram em direcção à cidade de Atalaia do Norte. De acordo com o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), pelo caminho, os dois homens terão feito uma paragem em São Rafael. A visita, que estava agendada, previa uma reunião com o líder local apelidado de “Churrasco”, que não estava presente, tendo os dois conversado com a sua mulher.

A chegada a São Rafael deu-se pelas 6h de domingo e a partida dos dois, rumo a Atalaia, deu-se pouco tempo depois. Sendo uma viagem com cerca de duas horas de duração, o jornalista e o especialista deveriam ter chegado por volta das 8h/9h. Mas isto não aconteceu. Segundo o grupo Univaja, Dom Phillips e Bruno Araújo Pereira tinham recebido ameaças alguns dias antes do seu desaparecimento.

Alarmados pela sua ausência, por volta das 14h, uma equipa de busca do grupo Univaja saiu de Atalaia do Norte. O grupo, composto por indígenas experientes, terá feito buscas no rio e na área em que os dois terão desaparecido, mas sem sucesso. Entretanto, ao longo da manhã de domingo, o barco onde ambos seguiam foi avistado perto de São Rafael.

Jornalistas e Human Rights Watch preocupados

Em comunicado, a Associação dos Correspondentes Estrangeiros (ACE) refere que a embarcação onde seguiam era nova e tinha 70 litros de gasolina, o suficiente para a viagem. A associação acrescenta que Bruno Araújo Pereira “conhece muito bem a região, pois foi o coordenador regional da Funai de Atalaia do Norte durante muitos anos”.

A ACE refere ainda que exige “uma investigação e uma acção imediata por parte das autoridades brasileiras, no sentido de localizar o paradeiro” de ambos. E continua: “Também exigimos do governo brasileiro que actue fortemente para garantir a segurança dos profissionais da imprensa, brasileiros e estrangeiros, que actuam naquela região e que têm sofrido diversas ameaças nessa área de conflito de exploração irregular de minério”.

Também a Human Rights Watch manifestou a sua preocupação. “É extremamente importante que as autoridades brasileiras dediquem todos os recursos disponíveis e necessários para a realização imediata das buscas”, lê-se numa publicação na rede social Instagram.

O porta-voz do Guardian News & Media referiu que o grupo de comunicação social está “muito preocupado e procura urgentemente informações sobre o paradeiro e o estado de Phillips”. O porta-voz afirma ainda que o grupo está em contacto com a embaixada britânica no Brasil e com as autoridades locais e nacional para “tentar estabelecer os factos o mais rapidamente possível”.

De acordo com a Folha de S. Paulo, o Ministério Público Federal brasileiro já “accionou a Polícia Federal, a Polícia Civil, a Força Nacional, a Frente de Protecção Etnoambiental Vale do Javari, e a Marinha do Brasil”.

Segundo o Guardian, Dom Phillips é conhecido pelo seu amor à região amazónia, tendo viajado frequentemente para o local, com o objectivo de relatar a crise climática que as comunidades indígenas e o Brasil estão a enfrentar.

Já de acordo com o jornal brasileiro, Bruno Araújo Pereira, pai de três filhos, pertencia à Funai, mas estava de licença sem vencimento desde o final de 2019. A Folha adianta ainda que as ameaças que o brasileiro recebeu nos últimos tempos não eram novidade, uma vez que há muito que se envolvia em acções de fiscalização e controlo de actividades ilegais praticadas nas terras indígenas amazónicas.

Artigo actualizado às 21h25: acrescenta as considerações da ACE e da Human Rights Watch.

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