Alexandra Leitão diz que recurso a outsourcing causa perda de massa crítica na Administração Pública

A ex-ministra da Modernização e da Administração Pública apontou as vantagens e desvantagens inerentes à transversalidade dos centros de competência e defendeu que a responsabilidade das decisões deve ser sempre imputada aos políticos e não aos cientistas e peritos.

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Alexandra Leitão foi ministra da Modernização e Administração Interna entre 2019 e 2022 Rui Gaudencio

Nos últimos anos, o Governo tem apostado na criação de centros de competência e de equipas de peritos em políticas públicas do Estado, para garantir a optimização do planeamento estratégico e coordenação intersectorial. Na conferência que lançou uma parceria entre a OCDE e um desses centros, o PlanAPP [Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospectiva da Administração Pública], a antiga ministra da Modernização e Administração Pública Alexandra Leitão elogiou a estratégia, mas sublinhou que a responsabilização das decisões deve ser sempre imputada à política e não à ciência.

“Se temos um problema com covid-19 não devemos ouvir só médicos, mas também sociólogos e cientistas sociais de outras áreas. Mas a tomada de decisão tem de ser política”, afirmou a deputada socialista, já depois da sua intervenção, em conversa com o PÚBLICO​. “A decisão política tem de ter em consideração os vários aspectos e dimensões de um problema e é a política que deve ser responsabilizada por essa decisão, não a ciência”, distinguiu.

“Em áreas muito técnicas e especializadas pode haver dificuldade da decisão política, ou os decisores políticos podem ser tentados a basearem-se exclusivamente na opinião científica. Mas estes centros de competência, porque são transversais, são um bom caminho para que todas as questões sejam tomadas em conta”, considerou.

Com todas as intervenções a destacarem a importância da aposta no Planeamento e na Administração Pública – dois ministérios que desapareceram com a reformulação feita por António Costa à orgânica do seu executivo – Alexandra Leitão defendeu o primeiro-ministro. “Não discordo da inclusão da Administração Pública e do Planeamento na Presidência do Conselho de Ministros. Pelo contrário. Acho que faz todo o sentido que estas áreas, pela sua transversalidade e natureza estratégica, estejam sob esta tutela”, disse ao PÚBLICO.

Na sua intervenção, a ex-ministra disse que “nunca como nos últimos anos se sentiu tanto a necessidade de ter um Estado forte e uma Administração Pública agilizada, quer para responder à pandemia, quer à crise geopolítica”. “As pessoas voltaram a virar-se para o Estado”, assinalou. A antiga governante sublinhou a importância de garantir, por isso, um Estado “simultaneamente forte e ágil” e uma Administração Pública “organizada para resolver problemas de forma flexível e dinâmica”.

Recordando a experiência de governação dos últimos anos, Alexandra Leitão admitiu que as “constantes crises” criaram “um contexto difícil para o planeamento e estratégia”, pois os governos são “constantemente convocados para responder ao imediato”. E por isso, “quando se está sempre a responder a situações calamitosas e inesperadas que é impossível planear, o planeamento e estratégia correm o risco de ficar para trás”, destacou.

A ex-governante destacou que esta urgência de uma Administração Pública forte deve obrigar a reflectir sobre o “movimento de externalização sistemática dos serviços”, ou seja, do recurso a outsourcing. “Contribui de forma imensurável para a perda de massa crítica” da Administração Pública e “descapitaliza os próprios trabalhadores e dirigentes”, lamenta.

Em jeito de balanço das vantagens e desvantagens do recurso a estes centros de competência, a ex-ministra destaca a “uniformização de soluções e serviços jurídicos e a redução ou eliminação de redundâncias”, que se traduzem numa expectável “poupança de recursos financeiros” como pontos positivos. Do lado dos alertas, destaca o perigo de “perda de uma relação directa e vertical de subordinação de alguns departamentos fundamentais” e o risco de a transversalidade poder causar “a perda de especialização”.

Também Mariana Vieira da Silva, a quem coube o encerramento da conferência, defendeu a importância destes centros para o processo de decisão, mas reconheceu que a responsabilização caberá sempre aos decisores políticos. “A eficácia da política não resulta de uma mera soma de avaliações, mas de escolhas”, afirmou.

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