Activista das Pussy Riot consegue fugir da Rússia – não sem peripécias

Vestida de estafeta de entregas de comida, deixando o telefone para trás, e depois de ter sido detida na fronteira, Maria Alyokhina acabou por conseguir sair do país.

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As Pussy Riot, colectivo rotativo de músicas, artistas e activistas DR

Os problemas de Maria V. Alyokhina na Rússia começaram em 2012, com a “oração punk” contra Vladimir Putin que tornou o colectivo Pussy Riot conhecido em todo o mundo, e valeu penas de prisão de dois anos às três mulheres que protestaram na catedral ortodoxa (durante cinco meses Alyokhina esteve em regime de solitária).

Alyokhina, 33 anos, não deixou o seu activismo e desde o Verão passado foi detida mais seis vezes, quinze dias cada. A invasão da Ucrânia pela Rússia – no país é apenas uma “operação militar especial” e a utilização da palavra guerra é proibida – e as mudanças nas leis que permitem que uma pena que ainda cumpre, em prisão domiciliária, poderia ser cumprida antes numa colónia penal, levaram-na a decidir sair, o que nunca antes tinha querido fazer, apesar de todas as dificuldades.

Milhares de russos têm saído do país na sequência da guerra na Ucrânia e da repressão a qualquer posição mais crítica – entre as saídas estão a de alguns jornalistas, como Marina Ovsyannikova, que protestou em directo numa emissão televisiva e foi entretanto contratada pelo diário alemão Die Welt.

“Ainda não percebo totalmente o que fiz”, disse Alyokhina numa entrevista ao diário norte-americano The New York Times na Lituânia.

Para iludir a vigilância da polícia, Alyokhina vestiu-se de estafeta de entregas de comida, contou. A namorada, Lucy Shtein, fez o mesmo antes dela: um mês antes decidiu fugir, depois de alguém ter posto um sinal na porta do apartamento que ambas partilhavam chamando-lhes “traidoras”.

No dia em que fugiu, Maria Alyokhina conta que o telemóvel teve de ficar em casa, para não ser localizada. Foi levada por amigos até à fronteira com a Bielorrússia.

Aí, tinha o problema de não ter passaporte, e estar numa lista de pessoas procuradas pela Rússia. Foi detida seis horas por guardas bielorrussos e mandada de volta para a Rússia na primeira tentativa. Na segunda, o guarda russo simplesmente não a deixou passar. Na terceira tentativa, conseguiu.

Na Bielorrússia passou dias a evitar qualquer local em que tivesse de mostrar um documento de identidade, como hotéis. Entretanto recebeu um documento de um país europeu que lhe dava o mesmo estatuto de qualquer cidadã da União Europeia – os responsáveis que trataram do caso pediram para que o país não fosse nomeado. Com o documento, foi de autocarro até à fronteira com a Lituânia. Foi muito mais bem tratada com o documento que fazia crer que era europeia, contou.

“Aconteceu muita magia na semana passada”, disse ao New York Times. “Parece um livro de espionagem.”

Como se explica que tenha conseguido? Com a desorganização do sistema, diz. “Visto daqui parece um grande demónio, mas é muito desorganizado se virmos por dentro – a mão direita não sabe o que está a fazer a esquerda”.

As Pussy Riot – o colectivo é variável e nunca se sabe que membros do grupo vão estar em cada espectáculo – têm marcado para 8 e 9 de Junho concertos no Porto e em Lisboa.

O New York Times comentava que quando apareceram, as Pussy Riot pareciam ser tanto de golpe publicitário como de activismo. O protesto original em Moscovo tendo como alvo a ligação entre a igreja ortodoxa e o Kremlin parecia exagerado na altura, dizia o artigo no diário de Nova Iorque. Mas hoje, com o patriarca Cirilo a abençoar as tropas e a ser posto numa lista de pessoas do regime que a União Europeia pondera sancionar, parece ter sido premonitório.

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