Língua portuguesa celebra dia internacional à espera de 400 milhões de falantes em 2050

Quarta língua mais falada no mundo, e a quinta mais usada na Internet, onde cresceu já 2000 por cento desde o início do século, o português tem agora de se impor como idioma científico, defende o presidente do Instituto Camões.

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João Ribeiro de Almeida, presidente do Instituto Camões LUSA/MIGUEL A. LOPES

A terceira edição do Dia Internacional da Língua Portuguesa será assinalada esta quinta-feira através de 135 acções em 50 países, com Angola e o Brasil a assumirem as iniciativas mais destacadas, resumiu à Lusa o presidente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, o diplomata João Ribeiro de Almeida.

Embora a data de 5 de Maio tenha sido proclamada como Dia Mundial da Língua Portuguesa em Novembro de 2019, as limitações impostas pela pandemia de covid-19 levaram a que só este ano a efeméride esteja a ser comemorada de forma “mais ou menos normalizada”, assinalou Ribeiro de Almeida numa entrevista à Lusa, acrescentando que as duas anteriores edições tiveram de recorrer sobretudo a programações virtuais e a conteúdos digitais.

Com 260 milhões de falantes actualmente espalhados pelos cinco continentes, o português será a primeira língua para 400 milhões de pessoas em 2050, estimam projecções divulgadas pelas Nações Unidas, segundo as quais esse número irá mesmo ultrapassar, pelo final do século, a fasquia dos 500 milhões. Um crescimento que ficará sobretudo a dever-se ao intenso crescimento demográfico previsto para Angola e Moçambique, que em 2100 poderão ter, respectivamente, 170 e 130 milhões de habitantes, ultrapassando largamente, no seu conjunto, a população brasileira, que não deverá aumentar significativamente no mesmo período.

Língua materna de cerca de 3,7 por cento da população mundial, o português é já hoje a mais falada no hemisfério sul e a quarta a nível mundial, atrás do mandarim, do espanhol e do inglês, e seguida de perto pelo hindi.

Além de ser língua oficial nos nove países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e em Macau, o português é ainda língua oficial e/ou de trabalho em dezenas de organizações internacionais, incluindo a União Europeia, a UNESCO, a Organização dos Estados Americanos, o Mercosul, o Mercado Comum da África Oriental e Austral, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, a Comunidade Económica dos Estados da África Central, a Comunidade de Estados do Sahel-Saara, a União de Nações Sul-Americanas ou, para não alongar os exemplos, a Organização Mundial de Saúde.

Quinta língua mais utilizada na Internet – teve uma taxa de crescimento de quase 2000 por cento entre 2000 e 2017 –, tem também conseguido criar, no domínio da ciência, onde o inglês é amplamente dominante, alguns espaços próprios, mas nesse capítulo, nota o presidente do Instituto Camões, há ainda muito a fazer.

Celebrações em Luanda

Ribeiro de Almeida insistiu na necessidade de se reforçar, também no domínio da promoção da língua, a cooperação no âmbito da CPLP, cuja presidência rotativa cabe neste momento a Angola, e chamou a atenção para a importância das comemorações em Luanda, às quais assistirá o ministro da Cultura português, Pedro Adão e Silva.

Na terça-feira arrancou no Auditório Pepetela do Camões – Centro Cultural Português em Luanda a primeira edição do Festival de Curtas-Metragens de Língua Portuguesa, com obras dos vários países da CPLP, incluindo Portugal, representado por O Voo da Papoila (Somos Livres), de Nuno Portugal.

No mesmo centro inaugura-se esta quinta-feira a exposição Voltar aos passos que foram dados, uma mostra fotográfica e documental que assinala o centenário de José Saramago. As comemorações do Nobel da Literatura prosseguem nos dias seguintes com a exibição de uma série de documentários dedicados a Herdeiros de Saramago, como os autores portugueses José Luís Peixoto e Valter Hugo Mãe, o angolano Ondjaki ou a brasileira Andréa del Fuego.

Ribeiro de Almeida distinguiu ainda o lançamento de uma nova cátedra de Português na Universidade do Paraná, no Brasil, a 61.ª a ser criada em todo o mundo. “Tenho pugnado muito no Camões pela criação de cátedras a nível do ensino superior. Porque é isso que faz com que a língua portuguesa se diferencie como língua de conhecimento, de investigação, de inovação”, salientou. E a cerimónia no Paraná “vai ser um momento bonito”, porque assinalará simultaneamente o Dia Mundial da Língua Portuguesa e as celebrações do centenário de José Saramago, observa Ribeiro de Almeida, adiantando que Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, assistirá à inauguração desta cátedra, que irá receber o nome do Nobel da Literatura português.

Ciência em português

A criação de cátedras, “numa altura em que as comunicações científicas estão completamente dominadas pelo inglês”, é uma das vias privilegiadas pelo Instituto Camões para a afirmação do português como língua de ciência, e esse é “um trabalho” que o presidente do instituto reconheceu estar “por fazer”, ao mesmo tempo que assinalou o esforço que o Brasil vem fazendo para suprir essa lacuna.

“Neste momento, o Brasil está realmente numa conjuntura muito interessante quanto às comunicações científicas, porque praticamente as impõe em português. E isso é óptimo! Ajuda muito o trabalho da promoção e divulgação da língua portuguesa enquanto língua de ciência”, considerou.

O diplomata sublinhou que este é um caminho que deve ser percorrido com as universidades. “Temos muitas universidades no universo da CPLP – não vou nomeá-las –, que obrigam os seus estudantes a fazer comunicações em inglês. Tem de haver aqui maneira de nos organizarmos, porque isto não faz sentido nenhum”, defendeu. “Andamos a pugnar pelo português e depois são os próprios centros universitários que obrigam os seus graduados, doutorandos e estudantes a fazer comunicações em língua inglesa, porque é, realmente, uma língua franca em todo o mundo. Não temos nada contra isso: não é puxar as outras línguas para baixo, é puxar a nossa para cima”.

O Camões é hoje responsável pelo ensino de português em 76 países, mantém 51 leitorados e mais de 300 protocolos com instituições de ensino por todo o mundo. No site do instituto, destacam-se como “casos de sucesso” do ensino da língua portuguesa, em países onde esta não é idioma oficial, exemplos como o do Senegal, onde o português “é uma disciplina de opção plenamente integrada no sistema do ensino oficial do país”, estudada hoje por cerca de 44.000 alunos entre o 8.º e o 12.º anos de escolaridade.

Os Estados Unidos, com quase 20.000 alunos de português no ensino básico e secundário e perto de 2000 no ensino superior, a Venezuela, com mais de 7500 estudantes da língua no básico e secundário e 1032 no superior, são outros casos apontados, a par de países como a Espanha, a França ou a Suíça.

Integrados e paralelos

Ribeiro de Almeida refuta ainda as críticas de que o Camões estaria a desinvestir na chamada rede paralela do Ensino de Português no Estrangeiro (EPE), argumentando que os 18 milhões de euros que o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) destina ao instituto serão “fundamentalmente” investidos nessa rede, designadamente na digitalização do ensino, incluindo a aquisição de computadores e outras medidas de apoio aos alunos.

“Fico um bocadinho triste quando dizem que está a haver um desinvestimento do Estado português na rede paralela, porque não é verdade”, afirmou à Lusa o dirigente do organismo responsável pela gestão do EPE.

Com 68.542 alunos inscritos no presente ano lectivo, a rede oficial do EPE reparte-se por três regimes distintos: o integrado, em países que adoptam o português como língua curricular; o da rede paralela, na qual os alunos, sobretudo portugueses, aprendem a língua de forma extracurricular, em escolas geralmente distintas das que frequentam habitualmente; e o da rede apoiada, a funcionar nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Venezuela, cujas estruturas de ensino põem o português à disposição de quem o pretender aprender, sendo apoiadas pelo Camões, sobretudo com manuais e conteúdos.

Uma das maiores críticas dirigidas ao Camões pelos emigrantes nacionais, como afirmou à Lusa no final do ano passado o presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa, Pedro Rupio, é que o instituto teria “cada vez mais” como “objectivo” assumido “ensinar português para estrangeiros”, o que se confirmaria na sua aposta no ensino integrado, “em detrimento do ensino paralelo, com cada vez menos alunos”. A consequência, disse na altura Pedro Rupio, é “o afastamento do público português e luso-descendente da rede oficial do EPE”, o que resultaria de os governos dos últimos anos considerarem “mais interessante para Portugal investir num estrangeiro do que num português”.

João Ribeiro de Almeida não contesta a estratégia política da tutela. “Obviamente que o objectivo de qualquer dirigente máximo do Camões ou do Ministério dos Negócios Estrangeiros é ter a língua portuguesa, o máximo possível, na rede oficial. Ou seja, serem os países a entenderem que é do interesse deles terem o português como língua curricular, dentro do próprio sistema de educação”, reconheceu o diplomata. Porém, acrescentou, “o processo” de digitalização do EPE, “que é uma espécie de menina dos olhos do Camões, está praticamente todo aplicado na rede paralela”, ao serviço da qual está também um conjunto de “trezentos e tal professores”.

Admitindo que “há zonas na Europa que ainda não têm uma boa cobertura a nível de rede paralela”, diz que o instituto que dirige está atento, e lembra que as dinâmicas das comunidades também mudam e que uma concentração de portugueses em determinado local pode dever-se, por exemplo, à proximidade de uma unidade fabril, cujo eventual encerramento gera movimentações.

Concretizando o destino dos 18 milhões de euros vindos do PRR, cujo arranque está atrasado, o presidente do Camões revelou que serão “sobretudo” investidos em tablets e computadores, mas também em “conteúdos”. E sublinha a importância dos equipamentos, assegurando que a obsolescência de algum material é uma das razões frequentes de “queixas e desabafos dos professores nas coordenações de ensino”.

O processo de digitalização do EPE foi anunciado em meados de 2021 pelo então ministro da tutela, Augusto Santos Silva, mas João Ribeiro de Almeida admitiu que “até ao final do ano” em curso não terá para apresentar um balanço concreto de metas alcançadas. “O que está completamente identificado são as necessidades”, afirmou. Mas “são peças processuais complicadas”, nota. “Temos que lançar concursos públicos internacionais, porque isto tem de ser feito com a maior transparência”, justificou.

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