Twitter: poder sem responsabilidade?

Os tweets e as declarações de Musk visam influenciar o actual processo de reenquadramento legal das redes sociais: o que são, para que servem, o que devemos esperar delas e o que não lhes devemos permitir?

O anúncio da compra do Twitter está a causar um vendaval no movimento regulador nos Estados Unidos. A reação da União Europeia reflecte também o receio do impacto que tal aquisição venha a ter no processo disciplinador das plataformas sociais.

Nos últimos tempos, a sensibilização para os perigos da desinformação eleitoral e científica, e do discurso do ódio e extremista nas redes (entre outros mecanismos desestabilizadores da democracia), parecia estar a fazer o seu caminho. Nos Estados Unidos, vislumbravam-se, inclusive, alguns entendimentos entre os partidos democrata e republicano sobre tais matérias. Todavia, a entrada de Elon Musk em cena suspendeu esta tendência, revitalizando o poder negocial do sector e de certos grupos que insistem em opor “liberdade de expressão” e “moderação de conteúdos”, em benefício do seu projeto político.

Numa sucessão de tweets e declarações, o homem mais rico do mundo reenquadrou novamente o tema nos mitos fundadores da Internet e das redes sociais: a neutralidade da web, a liberdade de expressão incondicional e a defesa de um modelo de moderação minimalista. Esta “mitologia” é ciclicamente recuperada. Em 2006, a Google usou-a num momento regulatório nevrálgico para o sector: quando comprou o YouTube, não querendo ser sobrecarregada com as obrigações sociais e legais que se aplicavam às empresas de media, a agora Alphabet liderou uma campanha que instituiu a definição legal das redes sociais como «plataformas». Este paradigma regulatório foi determinante para a definição do seu modelo de negócio: posicionando-as como intermediários neutros (em linha com as autoestradas e telefones), libertou-as de qualquer responsabilidade pelos excessos cometidos pelos seus usuários.

Para manter a ilusão de uma plataforma aberta e livre, mas também para evitar qualquer obrigação legal e cultural, o trabalho de moderação foi constantemente negado e escondido. Mas as plataformas nunca existiram sem moderação, nem na concepção minimalista de Musk, regida exclusivamente pelas leis nacionais. Excluir pornografia, violência ou terrorismo é apenas uma das maneiras pelas quais as plataformas exercem o papel de moderadores. Para além de removerem, filtrarem e suspenderem, as redes fazem recomendações e curadoria. O modo como classificam e destacam algoritmicamente certos conteúdos em detrimento de outros mostra como estão sempre a fazer escolhas e que não há posições de neutralidade. Nas redes, não vemos o mundo; vemos um mundo, filtrado pelas plataformas.

Esta assunção está na base das mudanças regulatórias em curso, alicerçadas numa revisão do entendimento colectivo sobre o papel das redes sociais na sociedade: o que são, para que servem, o que devemos esperar delas e o que não lhes deve ser permitido. Isto significa que, paralelamente ao debate legal, decorre um outro, de reflexão e análise. E é à luz deste contexto que importa interpretar os tweets e as declarações de Musk: eles são indissociáveis de uma estratégia discursiva que visa precisamente influenciar o actual processo de reenquadramento legal.

Por outro lado, a força desta vaga regulatória é indissociável da crise reputacional de um sector abalado por muitos escândalos e revelações, a que se vêm somar a perda de credibilidade de Mark Zuckergerg e a ausência de popularidade dos outros CEO das redes sociais. Musk aparece no exacto momento em que o poder negocial destas empresas e de determinados grupos está enfraquecido no espaço público e sem uma liderança galvanizadora. Será coincidência?

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