Eleições em França: A verdadeira corrida começa agora

Nesta nova corrida que se iniciou, a escolha é agora muito diferente porque se polariza entre duas personagens.

Os resultados da primeira volta das eleições presidenciais francesas não trouxeram surpresas e confirmaram as projeções. O presidente Emmanuel Macron (Em Marcha!) deve agora assumir uma campanha mais presente e musculada contra Marine Le Pen (Rassemblement National) que ganhou peso político ao longo das últimas semanas. Apesar da fragmentação do espectro partidário e da tendência de os candidatos acompanharem a volatilidade do eleitoral no que toca aos temas de campanha, a direita francesa no seu todo tornou-se mais dura e o eleitorado de extrema-direita mais politizado.

Neste contexto, o desafio para Macron será semelhante em comparação à segunda volta de 2002, e 2017, quando o pai Le Pen e a filha Le Pen, respetivamente, disputaram a eleição após eliminar os candidatos socialistas, Lionel Jospin e Benoît Hamon. O apelo ao “voto útil” será dirigido aos eleitores, em particular de Valérie Pécresse e Jean-Luc Mélanchon, de modo a evitar a dispersão dos votos. Desde 2002, este apelo tem vindo a aumentar de forma consistente. No entanto, apelar a uma frente nacional para barrar o acesso da extrema-direita à instituição-chave da V República Francesa já não colhe da mesma forma. Tendo recentrado o seu partido muito graças à candidatura do outro candidato extremista, Eric Zemmour, a campanha de Marine Le Pen foi considerada uma das melhores. Desde ontem à noite, os dados foram novamente lançados e a receita do sucesso de Le Pen não está garantida.

De forma a mobilizar o eleitorado, é expectável que o tema que foi quase marginalizado na campanha da primeira volta, mas que se tornou central na semana passada, seja agarrado pelos candidatos com promessas eleitorais. Assim, o poder de compra e a realidade quotidiana dos franceses deverá monopolizar o espaço de debate. Nessa matéria de cariz económico, a performance de Le Pen no famoso debate que teve com Macron, entre as duas voltas de 2017, tinha sido calamitosa, mostrando a sua incompetência nessa área, para além de uma postura muito agressiva. A sua capacidade de ter uma estatura presidencial ficou descredibilizada aos olhos dos franceses, terminando a corrida com 33,9% dos sufrágios. Hoje, estas fragilidades foram invertidas como demonstra o seu cartaz de campanha em que não só não usa o seu apelido como avança o slogan “Mulher de Estado”.

Macron tem vários trunfos. A incógnita é a abstenção e a volatilidade da agenda temática já muito impactada pelo covid e a guerra na Ucrânia. Até agora, Le Pen soube capitalizar no tema da guerra mas o atual presidente pode atacar a candidata sobre a sua admiração pelo autoritarismo de Putin. Por seu lado, a oponente pode reforçar a sua proximidade com os franceses amenizando a visibilidade da sua ideologia extremista a favor do tema do poder de compra. A partir de hoje, os franceses devem ver o seu presidente descer do “Olimpo”,em comícios muito regulares, e de modo a tornar mais real o moto de campanha, “Nós todos”. Esta reaproximação com o eleitorado afigura-se essencial na perspetiva de uma reeleição uma vez que é comparado ao presidente Valéry Giscard d’Estaing que falhou a sua reeleição em março de 1981. Igualmente culto e inovador, foi percecionado como um presidente altivo fechado no palácio do Eliseu.

Nesta nova corrida que se iniciou, a escolha é agora muito diferente porque se polariza entre duas personagens. Os níveis de participação a 24 de abril serão de novo um elemento de incerteza e, portanto, definidores dos resultados. É transversal a perceção que esta eleição é algo de híbrido e nebuloso, tanto em termos de comportamento eleitoral como de temas de campanha. Quanto aos temas, é expectável que os candidatos se centrem no poder de compra dos franceses e nas questões de soberania decorrentes da guerra na Ucrânia, em dimensões como a defesa e a energia. Será igualmente definidor o redireccionamento dos votos que os oponentes da primeira volta recolheram.

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