Quão mais resilientes terão os jovens de ser?

Desde a primeira infância que é verdade que a criança mais saudável, mais autónoma, mais harmoniosa emocionalmente, mais apta sociavelmente, mais exploradora, é aquela que circula num ambiente relacional seguro.

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Nelson Garrido/Arquivo

Uma crise climática, uma pandemia e agora…uma guerra.

Dita a natureza do desenvolvimento humano, que a adolescência seja uma fase da exploração e experimentação desenfreada, balizada pelos princípios da realidade. Com mais ou menos rebeldia. Com limites mais ou menos rígidos.

Os jovens constroem a sua identidade no terreno: com experimentação, nas interacções sociais, e com a ingenuidade que lhes é característica e necessária. Com rebeldia, oposição e separação psíquica das figuras de referência, por muito que isto desagrade a família. Este processo será tão facilitado, quanto mais seguro forem os contextos onde se inserem, quão mais forem inclusivos e heterogéneos, quão mais livres neles se sentirem, com regras que os orientem, que os responsabilizem, que os tornem seres adaptados, e que impeçam quedas estrondosas desnecessárias. Mas tantas farão parte, tantas serão peças chave da sua construção, mesmo debaixo do olhar aflito dos adultos próximos.

Os pais devem dedicar-se à árdua tarefa de interiorizar que os filhos são caóticos e imaturos, mas que são mais resistentes do que aparentam. Tal como quando eram bebés e assistiram com surpresa — e algum terror — à sua robustez quando foram manuseados por médicos e enfermeiros, quando os pais iam jurar (jurar!) que eles eram feitos de cristal.

Desde a primeira infância que é verdade que a criança mais saudável, mais autónoma, mais harmoniosa emocionalmente, mais apta sociavelmente, mais exploradora, é aquela que circula num ambiente relacional seguro. É a criança que internamente tem “carimbada” a sensação e a ideia de que os pais/adultos são figuras consistentes e inabaláveis, que o ambiente é previsível, que é constante e que é de amor e cuidado. Sempre. Mesmo nos dias maus. E é com esse “carimbo” que lê os ambientes novos e as novas relações, com as nuances necessárias.

Os adolescentes são uma versão (muito) avançada da criança, com tarefas essenciais à elaboração identitária de esmagadora complexidade, tais como a construção da identidade sexual, aquisição de sentido crítico, separação psíquica das figuras parentais, amadurecimento das relações e do esquema psicoafectivo, etc.. Por outras palavras, é como se a sua biologia e a sua psique lhes gritassem em coro: “Agora façam-se gente!” Sabemos que este processo é influenciado pelos modelos parentais e dinâmicas familiares, bem como pelos contextos escolares e de ocupação de tempos livres onde circulam, dimensões essas pautadas de forma importante por variáveis socioeconómicas.

Contrariamente à criança, o adolescente projecta-se e liga-se ao mundo onde vive. Um mundo que extravasa os núcleos conhecidos. O jovem é convidado a situar-se a si na escala global. Os jovens de hoje, a que mundo se vão ligar? Quão seguro, expectável, ou aterrador ele é?

As alterações e a crise climática são responsáveis por um novo tipo de sofrimento psicológico — a ansiedade climática —, exclusivo desta geração e que garantidamente acompanhará as próximas. É também exclusiva desta geração a vivência de uma pandemia que forçou à privação dos contextos naturais de desenvolvimento, numa etapa primordial de construção e elaboração de si, e que implicou, obrigatoriamente, não só sofrimento psicológico — como à restante população —, mas que, mais do que isso, se traduziu em lacunas e carências de desenvolvimento significativas.

Esta mesma geração, já fragilizada, encara agora o drama da Guerra na Ucrânia. É verdade que esta guerra não é, infelizmente, a primeira da sua geração, mas será naturalmente a mais impactante pela proximidade geográfica e sociocultural. O terror, a falta de previsibilidade sobre o meio, a sensação de impotência, a desesperança e a ansiedade são sensações que daqui podem advir. Os jovens terão de explorar, e de se projectar, num mundo que não é sentido como seguro e isso trará limitações à sua experiência de construção individual.

É dever de todos olharmos para os adolescentes com esta compaixão, atenção e amor. Como será, igualmente importante mantermos presentes a ideia de que se estão a construir para serem adultos, sendo fundamental mantermos uma vigilância continuada sobre nós próprios, para não cairmos em abordagens de infantilização ou híperprotecção — que podem ser muito sedutoras —, mas que os tornarão menos aptos, mais inseguros, mais dependentes, menos inteligentes emocionalmente e forçosamente menos felizes. Trata-se de um malabarismo complexo, mas necessário. Cabe aos adultos o papel de conter e proteger, mas também de responsabilizar. De os incluir na resolução dos problemas e de os expor ao sofrimento necessário.

Uma atenção redobrada à sua saúde mental é imperativa, criando-se activamente espaço para diálogo, comunicação de emoções, identificação de necessidades e, desde logo, intervenção em conformidade. Esperemos que, com isto, se tornem a geração mais resiliente dos últimos tempos.


Psicóloga Clínica

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