Os “senadores do PS”

São um exemplo a seguir. As suas mãos apresentaram-se-nos sempre limpas, nunca manchadas pelo sangue que o mau exercício do poder pode trazer.

Quem entra na sede nacional do PS lê, no hall o nome de vários “senadores do PS”. Do mural consta Manuel Pedroso Marques, coronel exilado na sequência da Revolta de Beja em 1961, que se orgulha da campanha informativa que promoveu nas primeiras eleições legislativas no pós-25 de abril, nomeadamente dos cartazes onde se lia “o voto é a arma do Povo”, que muito contribuíram para a elevadíssima afluência às urnas. Ou Gaudêncio Magalhães, que participou no assalto ao paquete Santa Maria, também em 1961, e não concluiu o seu curso de Engenharia no Técnico por a PIDE não o ter permitido. Tem, hoje, uma grande biblioteca feita de livros que recolhe como se de crianças órfãs se tratasse.

Dos “senadores do PS” fazem também parte Manuel Alegre, Maria de Belém Roseira, Alberto Martins e Vera Jardim. Maria de Belém responsável pela edificação de grande parte do Serviço Nacional de Saúde, conquista civilizacional de que tanto nos orgulhamos, como povo. Que foi “mãe” de inúmeros diplomas que visaram proteger grupos vulneráveis, enquanto primeira ministra para a Igualdade. Diz-me “não pode resolver as grandes injustiças do Mundo, mas pode contribuir para que as injustiças que constata no seu dia-a-dia sejam colmatadas”, ou “não se preocupe com os poderosos, esses têm sempre quem os defenda, preste atenção aos mais desfavorecidos”. É o que a vemos fazer, incansavelmente, quer falando à população em zonas pobres do interior do país, quer celebrando protocolos através da Associação Dignitude, para que os mais pobres não tenham que optar entre comprar remédios ou comida.

Ou Manuel Alegre, que em 1963, perguntava ao vento que passava notícias do seu país, da Argélia onde se encontrava exilado enquanto aguardava a clara madrugada, num “tempo que doía com seus riscos e seus danos”. Quando o dia esperado aconteceu contribuiu para a redação do mais lindo preâmbulo Constitucional que conhecemos, e não mais parou de lutar pela construção de uma sociedade justa e fraterna, nos últimos 45 anos.

Ou Alberto Martins, líder na crise académica de 1969 em Coimbra, que enfrentou os “gorilas” enviados pela polícia política contra os estudantes, sem medo, e contribuiu para uma Academia em que a liberdade de pensamento e de opinião fossem a regra. Para que possamos dizer hoje aos nossos alunos: “Raciocinem. Não aceitem acriticamente o que vos é proposto”.

Todos os senadores do PS lutaram sem medo, sem hesitações e com profunda generosidade para um Portugal melhor, de que as gerações seguintes foram e são beneficiárias. Não recuaram perante um sistema político profundamente opressivo e deram parte muito significativa do seu tempo de vida para que a vida das gerações seguintes fosse melhor. Permitiram um sistema jurídico protetor dos direitos de todos, apoiando, por exemplo, recentemente, a alteração da Lei da Nacionalidade no sentido de permitir o regresso de parte da comunidade judaica que fora expulsa, 500 anos antes, com requintes de crueldade não inferiores (apesar de menos bem documentados), aos do regime Nazi. Uma vez mais os Senadores do PS” contribuíram para o respeito dos direitos humanos de quem dele necessitava, naquele preciso momento. Neste sentido, foi decisivo o trabalho anteriormente feito por Vera Jardim enquanto incansável defensor da liberdade religiosa.

O objetivo legislativo foi meritório e, independente de eventuais insuficiências que tenham entretanto ocorrido na ulterior regulamentação e aplicação dos diplomas adotados na matéria, em que quem apoiou a sua adoção claramente não interveio.

Os “senadores do PS” são um exemplo a seguir. As suas mãos apresentaram-se-nos sempre limpas, nunca manchadas pelo sangue que o mau exercício do poder pode trazer. Sempre assumiram como responsabilidade sua – ainda que com sacrifício pessoal e/ou patrimonial sério – o respeito pelos direitos dos outros e a necessidade de transformar Portugal num país melhor. A sua recusa em ceder a pressões, em servir a poderes instituídos que não satisfizessem os valores fundadores do PS em Portugal é uma constante da sua atuação nas últimas quatro décadas. Representam um exemplo a seguir e uma responsabilidade para os que lhes sucedam: a longa luta pela liberdade e o esforço em construir um Estado de Direito democrático implicam que o carácter, a integridade e a bondade, sejam virtudes essenciais de quem, a qualquer título, se ocupa da res publica.

Não podemos transigir no respeito que lhes devemos sem ferirmos o ideário democrático – da liberdade, da igualdade e da solidariedade - que esteve e está na raiz da Revolução dos Cravos.

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