Ucrânia acusa Rússia de violar cessar-fogo e suspende retirada de civis

Segundo o Governo ucraniano, o Exército russo continuou a bombardear a cidade de Mariupol durante as cinco horas em que deveria vigorar um cessar-fogo para a abertura de um “corredor humanitário”. Numa comunicação dura, o Presidente ucraniano acusa a NATO de “fraqueza” por rejeitar a criação de uma zona de exclusão aérea.

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Ucranianos em fuga da guerra, na cidade de Lviv Reuters/KAI PFAFFENBACH

As autoridades ucranianas anunciaram o adiamento de uma operação de retirada de milhares de civis das cidades de Mariupol e Volnovakha, no sudeste do país, acusando o Exército russo de ter violado um cessar-fogo que deveria ter vigorado na manhã deste sábado.

Segundo o governador da região de Donetsk, Pavlo Kirilenko, o Exército russo “continua a bombardear Mariupol” apesar de ter aceitado a abertura de um “corredor humanitário”, o que tornou impossível o início da retirada em segurança de 200 mil pessoas da segunda maior cidade da região de Donetsk e de outras 15 mil de Volnovakha, mais a norte.

Horas antes, as autoridades de Mariupol tinham anunciado, citadas pela agência de notícias russa RIA Novosti, que o Exército russo ia suspender os ataques contra as duas cidades ucranianas durante cinco horas, entre as 7h e as 12h (hora em Portugal continental, menos duas do que em Kiev).

Num comunicado, a câmara municipal de Mariupol disse que o cessar-fogo temporário iria permitir que os civis ucranianos chegassem à cidade de Zaporizhzhia, 230 quilómetros a sudoeste, viajando em autocarros ou nos seus próprios automóveis.

Segundo as autoridades de Mariupol, a retirada dos civis seria dividida por várias etapas ao longo dos próximos dias — o que deixava implícito que as autoridades russas se teriam comprometido com novos períodos de cessar-fogo, o que não foi confirmado publicamente pelo Kremlin.

Irina Vereshchuck, a ministra ucraniana para a Reintegração dos Territórios Temporariamente Ocupados (parte das regiões de Donetsk e de Lugansk, tomadas por separatistas pró-russos em 2014), disse que os militares ucranianos na região acusam o Exército russo de ter aproveitado o cessar-fogo anunciado este sábado para “continuar a avançar sobre Mariupol”.

O porta-voz do Ministério da Defesa da Rússia, Igor Konashenkov, disse que o Exército russo “continuou a lançar ataques contra a infra-estrutura militar ucraniana” e afirmou que as forças separatistas de Donetsk “continuam a apertar o cerco a Mariupol”.

“Estamos simplesmente a ser destruídos”, disse o presidente da câmara de Mariupol, Vadim Boichenko, citado pela Reuters.

Críticas aos “corredores humanitários"

Em 2016, quando o Governo russo anunciou a abertura de um “corredor humanitário” para a saída de centenas de milhares de civis da cidade síria de Alepo, várias organizações de defesa dos direitos humanos criticaram a proposta.

Segundo a Care International, com sede na Suíça, “uma operação verdadeiramente humanitária não obrigaria a população de Alepo a escolher entre fugir para os braços dos seus atacantes e ficar numa zona cercada, debaixo de um bombardeamento contínuo”.

“Ninguém deve ser obrigado a fugir ou a permanecer, e devem ser postas em prática medidas para que as Nações Unidas possam garantir a segurança e a protecção de uma retirada voluntária”, disse a organização num comunicado.

A cidade portuária de Mariupol está a ser atacada devido à sua localização estratégica entre os territórios ocupados pelos separatistas pró-russos, no Leste da Ucrânia, e a península da Crimeia, que a Rússia invadiu e anexou em 2014.

“Esta noite, os bombardeamentos foram mais fortes e mais próximos”, disse um funcionário da organização Médicos Sem Fronteiras sobre a situação em Mariupol. Segundo o funcionário, citado sob anonimato pela agência Reuters, a população continua sem ter acesso a electricidade, água, aquecimento e linhas telefónicas.

Zelensky duro com a NATO

Na noite de sexta-feira, em Kiev, o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, acusou os países da NATO de “fraqueza”, por terem rejeitado o seu pedido para a criação de uma zona de exclusão aérea na Ucrânia.

“Todas as pessoas que morrerem a partir deste dia, morrerão também por vossa culpa, por causa da vossa fraqueza e da vossa falta de união”, disse Zelensky. “A Aliança deu luz verde ao bombardeamento das cidades ucranianas ao recusar-se a criar uma zona de exclusão aérea.”

Numa dura acusação contra a NATO, o Presidente ucraniano recordou o Memorando de Budapeste, de 1994, em que a Rússia se comprometeu a não violar a soberania da Ucrânia, excepto numa situação de auto-defesa.

“Tudo o que a Aliança conseguiu fazer hoje foi aprovar o envio de 50 toneladas de gasóleo para a Ucrânia. Talvez seja para podermos queimar o Memorando de Budapeste”, disse Zelensky.

A decisão da NATO era esperada, depois de o seu secretário-geral, Jens Stoltenberg, ter afirmado que a Aliança Atlântica “não é parte deste conflito”, numa referência ao facto de a Ucrânia não ser membro da NATO.

“Enquanto aliados da NATO, temos a responsabilidade de impedir que esta guerra extravase o território da Ucrânia e se torne ainda mais perigosa, mais devastadora e causadora de ainda mais sofrimento humano”, disse Stoltenberg.

Para que uma zona de exclusão aérea em território ucraniano tivesse o efeito pretendido, os aviões da NATO teriam de abater qualquer avião russo que o violasse.

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