Maia dá um passo que faltava para reduzir o lixo urbano

Depois de meio ano a receber factura virtual, no final deste mês seis mil famílias passam a pagar uma tarifa que beneficia quem recicla mais. Modelo chega a metade do concelho até ao final do ano.

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Nas moradias, a Maiambiente distribui contentores individuais para o lixo indiferenciado Nelson Garrido

Viviana Baptista anda há meses a receber uma carta nova da MaiaAmbiente, pelo correio. Incomoda-a o facto de ter mais papel para reciclar mas, vá lá, ao menos enviam-lhe boas notícias. A maiata fez parte de um grupo de 3500 famílias deste concelho português campeão da reciclagem ao qual vinha sendo entregue, desde Maio passado, uma nova factura que separa a conta da água da conta dos resíduos urbanos, com um tarifário a beneficiar quem mais recicla. Era virtual, para ajudar os destinatários a ajustar comportamentos. A partir do fim de Fevereiro, passa a ser a valer, para um total de seis mil residências.

Na factura que chegar a casa destes maiatos, no final do mês, correspondendo ao mês de Janeiro, as contas já não têm que ver com o volume de água consumida, como ainda acontece no resto do concelho e na generalidade dos municípios portugueses. A partir de agora, o tarifário passa a incluir um valor fixo (de 16 cêntimos por dia, no caso dos clientes domésticos ou de 54 cêntimos nos não domésticos) destinado a cobrir as despesas municipais com a recolha e encaminhamento dos vários tipos de resíduos. Além dessa, passa a ser bem explícita a componente variável, que recai sobre o volume de lixo indiferenciado que cada família entrega (1,63 cêntimos/litro, ou 3,09 cêntimos para grandes clientes), volume esse sobre o qual incide ainda a Taxa de Gestão de Resíduos (TGR), que será de 0,14 cêntimos/litro.

Com esta mudança que a Maia pretende alargar ainda em 2022 a todas as residências unifamiliares, ou seja a metade dos clientes da Maiambiente, para chegar, em 2023, aos edifícios de habitação multifamiliar, água é água e lixo é lixo. Ou melhor, o lixo é cada vez menos lixo, porque, no limite, quem conseguir reciclar as embalagens de vidro, papel e plástico e tiver acesso a recolha porta-a-porta de resíduos orgânicos pode reduzir drasticamente o volume de indiferenciados e pagar pouco mais do que os 4,8 euros mensais da tarifa fixa. Depois de uma paragem por causa da pandemia, a Maiambiente e a empresa inter-municipal Lipor voltaram a distribuir ecopontos domésticos castanhos e eles já chegaram a casa de parte das seis mil famílias abrangidas pelo sistema PAYT – do Inglês Pay as You Throw, ou seja, pague consoante o que deita fora.

Viviana Baptista não teve essa sorte, ainda. Mas se na sua habitação, em Moreira da Maia, a família não chega a entregar o contentor de lixo indiferenciado uma vez por semana, imagine-se o que acontecerá quando tudo, incluindo borras de café, ou os ossos e restos de peixe, que não devem ir para a compostagem doméstica, puderem ser recolhidos separadamente. “Não creio que seja possível fazer lixo zero, mas podemos reduzir ainda mais”, assume esta cidadã que aprendeu com o pai a viver produzindo o mínimo de resíduos possível e que, pela factura virtual, que vinha sempre com o mesmo valor, abaixo do que pagava na realidade, percebeu que vai ter, desde já, alguma redução na tarifa.

Na Maiambiente, a coordenadora do projecto Recicle Mais, Pague Menos adianta que esta primeira fase piloto, com dupla factura, permitiu recolher alguns dados sobre o comportamento das famílias abrangidas. “Houve já alguma redução, ténue, do lixo indiferenciado produzido e um aumento da recolha selectiva”, explica Helena Lopes, que espera que, agora que é a valer, essa inversão se torne mais evidente. Os estudos internacionais mostram que a articulação entre sistemas de recolha selectiva e tarifários PAYT induzem uma redução da produção de lixo indiferenciado, sobre o qual incide a TGR que os municípios têm de pagar. No caso da Maia, esses resíduos são maioritariamente incinerados para produção de energia, pela Lipor, operação que tem um desconto de 80% na TGR, quando comparado com a deposição em aterro, que paga 100% da taxa.

O Governo ainda em funções adiou a entrada em vigor da nova taxa, que entretanto duplicou de 11 para 22 euros. A TGR vai continuar a aumentar, prevendo-se que chegue em 2025 aos 35 euros por tonelada e, apesar de contestado pelos municípios (que a fazem repercurtir na factura das famílias), este aumento é exigido pela própria União Europeia que vê neste “imposto” um incentivo à alteração de estratégia por parte das autarquias e dos sistemas de gestão de resíduos, que também são penalizados com TGR, se falharem nas metas a que estão, anualmente, obrigados.

Com taxas de reciclagem de fazer corar de inveja a maioria dos municípios portugueses, a Maia volta a adiantar-se ao resto do país, que só em 2025 está obrigado a separar, definitivamente, as contas da água e dos resíduos sólidos urbanos, e a criar tarifários que premeiem quem recicla, penalizando quem o não faça. Sem isso, e sem um reforço dos investimentos em novas formas de recolha selectiva, o país arrisca-se a continuar a marcar passo e a falhar as metas com que se comprometeu no plano europeu, como já aconteceu no final da década passada.

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