Autoridade Europeia para a Protecção de Dados pede proibição do uso do Pegasus

Capacidade de espionagem que implica “um nível de intromissão em precedentes” é a razão para o apelo. Parlamento Europeu discute criação de comissão de inquérito.

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A empresa NSO diz que o objectivo do programa é apenas vigiar suspeitos de terrorismo ou crime organizado grave AMIR COHEN/Reuters

A Autoridade Europeia para a Protecção de Dados (EDPS na sigla original) pediu esta terça-feira a proibição do uso do programa Pegasus, desenvolvido pela empresa israelita NSO, que foi utilizado em países da União Europeia para vigiar jornalistas e políticos, quer do próprio país, quer estrangeiros, e opositores em geral. A agência europeia diz que o programa implica “um nível de intromissão sem precedentes”, sendo “capaz de interferir nos aspectos mais íntimos das nossas vidas diárias”.

O programa permite não só aceder a smartphones sem que o utilizador clique num link, mas também ao conteúdo – imagens, mensagens – e ainda permite usar o telefone como microfone e câmara, transmitindo para quem vigia.

“A proibição do desenvolvimento e utilização de spyware com a capacidade do Pegasus na União Europeia seria a opção mais eficaz para proteger as nossas liberdades e os nossos direitos fundamentais”, disse a autoridade europeia, citada pela agência Reuters. “No centro do debate sobre ferramentas como o Pegasus devia estar não só o uso da tecnologia, mas também a importância que atribuíamos ao direito à privacidade.”

Um consórcio internacional de jornalistas liderado pela organização Forbidden Stories (que junta fundos para terminar investigações de jornalistas assassinados), com apoio da Amnistia Internacional e do Citizen Lab da Universidade de Toronto, começou a investigar uma lista de números de telefone que seriam de potenciais alvos a vigiar por clientes da NSO, fazendo análises forenses que confirmaram a presença do programa numa série destes números.

Em Julho de 2021, saíam as primeiras notícias sobre o programa, incluindo o caso de jornalistas húngaros espiados com recurso ao Pegasus – a nacionalidade dos números nas listas, revelou depois o diário Haaretz, seguia também os interesses geopolíticos do primeiro-ministro israelita de então, Benjamin Netanyahu, começando a aparecer números da Hungria, Índia ou Emirados Árabes Unidos, depois de visitas ou encontros políticos significativos.

As revelações não têm parado, e ainda em Janeiro o Governo polaco foi acusado de usar o programa contra um senador da oposição, um advogado e uma procuradora, ambos opositores do Governo (o acesso foi confirmado pelo Citizen Lab).

O Governo de Varsóvia admite ter o programa, mas nega o seu uso indevido – segundo a NSO, o software só devia ser usado para casos graves de suspeitas de terrorismo e de criminalidade organizada, mas acumulam-se os casos de utilização indevida, até de uso para a vida pessoal, como o do emir do Dubai, que espiou a ex-mulher quando decorria um processo para a guarda dos filhos, em Londres.

Na lista de potenciais políticos vigiados estão ainda várias figuras do Governo francês, que se especula poder ter sido ordenada por outro país, como Marrocos.

Questão “além da Polónia e Hungria”

A NSO diz que não pode confirmar ou negar quaisquer clientes, e recusou já várias vezes que a lista de números fosse uma lista de telefones a vigiar. Mas também dissera antes que o software não podia, por definição, ser usado em números com indicativo dos EUA ou de Israel, o que se revelou não ser verdade. Em Israel, a polícia já admitiu a utilização indevida do programa para vigiar sem mandado judicial.

“O uso abusivo do Pegasus não é apenas uma questão polaca ou húngara”, disse o eurodeputado Andrzej Halicki, vice-presidente da Comissão das Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeu, citado pelo site EU Reporter, à margem do debate, “é uma questão de segurança na Europa, da segurança dos nossos cidadãos e da supervisão das actividades dos serviços secretos.”

“O escândalo não é o uso de tecnologias digitais modernas pelos serviços secretos para lutar contra o terrorismo ou criminosos perigosos”, acrescentou Halicki. “Os serviços secretos devem – e, de facto, têm – de ter este tipo de capacidades à sua disposição. Mas há uma condição: não devem ser usados como arma em lutas políticas, nem ser usados contra processos ou instituições democráticas, políticos, ou jornalistas.”

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