Dez desafios essenciais na ciência e tecnologia até 2030

O financiamento continua a ter imprevisibilidade, dificultando às instituições a planificação das atividades e a boa gestão dos fundos públicos. Deve também ser objetiva e transparente a relação entre os resultados da avaliação das instituições e os respetivos financiamentos.

Após três décadas de um progresso notável, o sistema nacional de ciência e tecnologia (SNCT) português vive um momento decisivo. O desenvolvimento da ciência, em todas as áreas do saber, deve assumir um caráter central nas políticas dos governos, permitindo a Portugal posicionar-se com solidez na sociedade global do conhecimento. O Conselho dos Laboratórios Associados (CLA) reconhece o mérito de iniciativas governamentais como a recente Resolução do Conselho de Ministros nº 186/2021, que explicita a orientação estratégica para que a despesa em investigação e desenvolvimento atingir 3% do PIB em 2030, face aos 1,62% de 2020. Contudo, o CLA considera que o salto qualitativo do SNCT só será possível se até 2030 os governos e a comunidade científica encontrarem soluções sustentáveis para os seguintes problemas estruturais.

1. A necessidade de clarificar os desígnios do SNCT

É essencial alcançar um equilíbrio judicioso entre o financiamento público de atividades de investigação motivadas pela sociedade e as resultantes da procura do conhecimento fundamental. Ambas contribuem para a formação de recursos humanos altamente qualificados. Carecem, também, de efetiva clarificação o papel reservado às instituições de tipologia variada que convivem no complexo mosaico que é hoje o SNCT e a medida em que estas se diferenciam entre si.

2. A fragilidade do diálogo ciência-decisores políticos, ciência-sociedade

Sem persistência na formação de uma cultura de proximidade e solidariedade entre cientistas e não cientistas, entre cientistas e decisores políticos na sociedade portuguesa, o desenvolvimento da ciência e do país estará sempre ameaçado de retrocesso. As estratégias e ações dos decisores políticos não são, frequentemente, definidas com base no melhor conhecimento científico e tecnológico disponível.

3. O subfinanciamento do SNCT

O forte crescimento do SNCT verificado nos últimos anos não tem sido acompanhado pelo correspondente aumento do financiamento público, que é insuficiente e um dos mais baixos da Europa.1 Por exemplo, o estatuto de Laboratório Associado (LA) foi o ano passado conferido a 40 instituições, mais dez do que a expansão anunciada inicialmente. Mas, em vez da ampliação do investimento, distribuíram-se os fundos disponíveis por um universo muito maior, recebendo alguns LA um valor insignificante, que não permite a realização das atividades propostas.

4. A imprevisibilidade do financiamento das instituições de investigação

O financiamento continua a ter imprevisibilidade, principalmente ao nível plurianual, dificultando às instituições a planificação das atividades e a boa gestão dos fundos públicos.

5. A falta de condições materiais e imateriais das instituições de investigação

A política científica não tem considerado devidamente um amplo leque de condições necessárias para viabilizar a investigação e o desenvolvimento das carreiras, nomeadamente programas de financiamento de infraestruturas ou de projetos de investigação (com taxas de sucesso significativas), espaços físicos, laboratórios, equipamentos, campos agrícolas experimentais, etc.

6. A vulnerabilidade do emprego científico e das carreiras científicas e de gestão de ciência e tecnologia

A política científica tem vindo a privilegiar medidas com foco na contratação de investigadores. Não discutindo a justeza de tais políticas e a necessidade de dignificar as carreiras científicas, as soluções encontradas geram preocupação, nomeadamente pelas baixas taxas de sucesso, que chegam a excluir mais de 90% dos investigadores a concurso. Por outro lado, não atribuem às instituições os recursos complementares para desenvolverem sustentadamente essas políticas.

7. A clarificação da ligação entre as carreiras académicas e de investigação

É importante decidir sobre a flexibilização (ou não) da transição entre ambas as carreiras, e sobretudo o papel de cada uma no SNCT. Neste contexto, é essencial atualizar e harmonizar os Estatutos da Carreira Docente Universitária, da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, e da Carreira de Investigação Científica.

8. O aproveitamento do potencial de internacionalização do SNCT

Deve promover-se um melhor aproveitamento deste potencial, que tem dado visibilidade ao país e permitido obter financiamentos consideráveis, em particular através do Programa Quadro de Investigação e Inovação da União Europeia. Por exemplo, devem remover-se os entraves que a legislação nacional coloca à contratação de docentes, estudantes de pós-graduação e investigadores internacionais.

9. A qualidade dos processos de avaliação

É forçoso ajustar os processos de avaliação de instituições, projetos e pessoas, mantendo o seu caráter aberto, transparente e competitivo, procedendo à atualização das áreas temáticas dos painéis de avaliação, e assegurando o recurso a avaliadores com curriculum científico robusto nessas áreas. Deve ser objetiva e transparente a relação entre os resultados da avaliação das instituições e os respetivos financiamentos.

10. A desburocratização do SNCT

Importa criar procedimentos mais simples e adequados à natureza da atividade científica e tecnológica, como um passo para o progresso e para melhorar a capacidade de execução dos financiamentos. As despesas da atividade científica, em particular das unidades de investigação e dos LA, devem ser consideradas válidas para restituição de IVA, alargando o âmbito da medida implementada em 2019, mas em vigor apenas para algumas categorias de despesa.

O CLA, enquanto órgão colegial que reúne os 40 LA e integra quase 9500 investigadores, manifesta a sua total disponibilidade e empenho para colaborar na definição e implementação de políticas públicas que reforcem a qualidade e competitividade do SNCT, assim contribuindo para o desenvolvimento e progresso da sociedade como um todo.

1 Em 2020, o Estado gastou em I&D o equivalente a 71 euros por pessoa; a média europeia foi 225 euros (Eurostat)

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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