Pedro Choy teve “interesses comerciais a defender” na “legalização das terapias alternativas”, diz Carlos Fiolhais

Cientista recém-aposentado depôs em tribunal a favor de fundador de blogue que chamou “charlatão” e “vigarista” a impulsionador das terapias alternativas em Portugal. E considerou que a incursão de Choy na política, através do BE, teve que ver com “essa legislação”.

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Carlos Fiolhais foi ouvido como testemunha em tribunal Adriano Miranda

O cientista Carlos Fiolhais sublinhou esta sexta-feira que o terapeuta e empresário Pedro Choy “tem interesses comerciais a defender” no contexto da legalização das terapias alternativas em Portugal. O divulgador de ciência relacionou ainda antigas incursões de Choy no mundo da política com a legalização das terapias alternativas em Portugal. “A sua presença na política também terá a ver com essa legislação”, considerou.

“Mas a validade científica não se obtém com a publicação de legislação”, avisou Carlos Fiolhais, que se mostra muito crítico da legalização operada há cerca de duas décadas. O divulgador de ciência falava em tribunal em defesa de outro céptico, João Júlio Cerqueira, que se senta no banco dos réus por ter chamado “charlatão” e “vigarista” ao principal representante da medicina tradicional chinesa em Portugal. Num blogue que dirige, intitulado Scimed, também o mimoseou com os epítetos de “palhaço” e “costureiro de pele”, numa referência à prática de acupunctura levada a cabo por Pedro Choy e pelos seus discípulos nas várias clínicas de que é proprietário. Agora responde por vários crimes de difamação.

Para Carlos Fiolhais e outras testemunhas de defesa ouvidas neste julgamento, ao expor práticas terapêuticas sem validade científica João Júlio Cerqueira está a prestar um serviço público. Quanto à linguagem utilizada, o médico André Casado, autor do livro Fake News na Medicina, considera-a justificada. Não só por ser, segundo disse, comum nos fóruns de cepticismo científico do Centro e do Norte da Europa, como pela origem geográfica de João Júlio Cerqueira: “É um homem do Norte [do Porto], a sua adjectivação é mais forte”. Como activista que é, acrescentou, “tem um verdadeiro espírito de missão”.

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Pedro Choy Rui Guadêncio

André Casado diz ter testemunhado, ao longo da sua carreira, vários casos de doentes cujo estado de saúde se agravou por terem trocado a medicina convencional pela alternativa ou por terem mesmo misturado as duas. “Sei de muita gente que não apresenta queixa por vergonha. Assumem a responsabilidade de ter seguido esse caminho”, descreveu.

"Charlatão é um termo perfeitamente corrente"

Aposentado desde Setembro passado, depois de uma proeminente carreira durante a qual escreveu mais de seis dezenas de obras, algumas das quais dedicadas também à pseudociência, Carlos Fiolhais admite nunca ter chamado a ninguém os nomes que o fundador do Scimed chamou a Pedro Choy. Mas não os considera ofensivos: “Charlatão é um termo perfeitamente corrente neste contexto.”

“É como se alguém exercesse Medicina sem estar devidamente habilitado para isso”, observou. “Pedro Choy também iniciou este curso. Mas não terá passado do primeiro ano.” No que diz respeito à legalização das terapias alternativas, Carlos Fiolhais admitiu que outros países fizeram o mesmo. “Mas Portugal fê-lo ao arrepio da tendência mais recente da Europa, onde essas práticas têm sido afastadas”, garantiu.

E fez questão de recordar que o empresário chinês já concorreu por um “partido radical” a uma autarquia. Pedro Choy encabeçou duas vezes a lista do Bloco de Esquerda (BE) candidata à Assembleia Municipal de Salvaterra de Magos, em 2005 e 2009, depois de ter conseguido que o Parlamento legalizasse as terapias não convencionais. Em tribunal, onde foi ouvido por videoconferência, Carlos Fiolhais associou as duas coisas considerando que a sua presença na política está ligada aos seus “interesses comerciais”.

Neste processo praticamente inédito em Portugal, em que se confrontam a medicina convencional e as terapias alternativas, o principal impulsionador medicina tradicional chinesa em Portugal exige ao arguido uma indemnização de 80 mil euros por danos morais.

Alega que nunca mais conseguiu dormir uma noite tranquila depois dos ataques do médico, tendo passado a sofrer de lapsos de memória. Viu-se obrigado a recorrer a ansiolíticos convencionais, admitiu no início do julgamento, altura em que revelou ainda ter sido alvo de ameaças de morte na sequência das críticas à fiabilidade das terapias que usa nas suas clínicas.

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