O pára-arranca português

Proponho um amplo consenso centrado na necessidade de subida na cadeia de valor e de aumentos de remuneração, ligados a ganhos de eficiência/produtividade, em articulação com uma reorientação do sistema fiscal e parafiscal, no sentido de promover o crescimento económico.

O Eurostat divulgou que em Portugal 20% do total da população está em risco de pobreza ou exclusão social. Nos menores de 18 anos este risco é de 21,9%, e nos 65 anos ou mais de 21,4%. A notícia desta persistente tragédia surgiu no dia seguinte à reprovação da proposta de lei do Orçamento do Estado e do retumbante furor mediático do Presidente da República mergulhado no multibanco, sob a escolta de oficial com esporins na indumentária, de par com o suspense sobre a data das eleições agora revelada. Tudo isto enquanto as nações mais preparadas, algumas nossas concorrentes directas, mobilizam energias e estratégias para ultrapassar os constrangimentos da pandemia, em especial os que respeitam à mobilidade internacional, às cadeias de produção, ao preço da energia, ou sobre como tirar partido dos avanços tecnológicos. Disto é exemplo a Cimeira do G20 em Roma.

Num mundo instável, a cimeira mencionada ofereceu-nos pontos de referência estáveis nos quais Portugal deveria pôr os olhos, posto que mais uma vez se confirmou que estamos perante a refundação do sistema económico, financeiro e fiscal internacional e europeu e não perante meros ajustamentos, nomeadamente na finança sustentável, na regulação financeira, em especial a referente ao dinheiro digital, à tributação das empresas além de outros domínios como o da luta contra a corrupção. Inegavelmente entreabrem-se no horizonte oportunidades mas também riscos emergentes para a atracção e fixação de base económica a partir de Portugal. Urgindo traçar e implementar políticas públicas e privadas adequadas e consistentes com os desafios que enfrentamos, em particular o de subir na cadeia de valor.

Na Cimeira do G20 sobressaiu o acordo obtido na tributação internacional de grandes empresas, cujo mérito e significado são reais. Porém, deverá ser entendido como estando na infância e que levará alguns anos até que se materialize o efeito substancial que se pretendeu criar. Em paralelo, não pode ignorar-se que este acordo reduz a possibilidade de os Estados se prevalecerem da tributação empresarial para atrair e fixar investimento, incluindo para corrigir assimetrias e desvantagens decorrentes da posição periférica ou ultraperiférica ou da dinâmica da integração internacional, europeia em particular. Por natureza isto favorece os Estados com solidez orçamental e posições geográficas não-periféricas, posto que coloca a ênfase noutros factores de concorrência, como a qualidade das finanças públicas, infra-estruturas públicas, justiça, universidades, empresas, força de trabalho, etc. Mais do que antes é crucial que Portugal se empenhe em reformas estruturais e resolva o problema da carência crónica de capital monetário das suas empresas, afirme instituições financeiras eficientes e iniciativa empresarial apta a enfrentar os desafios do futuro, em especial os da descarbonização, da digitalização e da sustentabilidade. Ou seja: suba na cadeia de valor.

Tudo isto desafia-nos a ponderar não apenas o interesse, mas o melhor interesse de Portugal, elegendo a afirmação da coesão económica e social, e do bem-estar da população, em especial a erradicação dos indicadores de pobreza como um imperativo ético que se impõe a todos os cidadãos e ao Estado. Uma componente central neste esforço é repensar o valor do trabalho na nossa economia. Priorizando a valorização da sua qualificação e remuneração, bem como da alteração estrutural da tributação e da parafiscalidade que sobre ele incide que estão desfasadas dos avanços tecnológicos, em especial da automação, posto que actualmente se favorece a opção por tecnologia em detrimento do trabalho humano ou sua qualificação.

Devido a isto reitero a proposta de se criar na sociedade portuguesa um amplo consenso centrado na necessidade de subida na cadeia de valor e de aumentos de remuneração, ligados a ganhos de eficiência/produtividade, em articulação com uma reorientação do sistema fiscal e parafiscal, no sentido de promover o crescimento económico, através de uma redução estrutural da incidência e taxas sobre o trabalho. Favorecendo também uma cultura de ir mais além, através do esforço de qualificação, iniciativa e risco empresarial, em especial nas micro e PME.

Não podemos perder mais tempo num pára-arranca ancorado numa dívida insustentável, a comprar aos outros o essencial do que consumimos, e que progressivamente desactivou parte do aparelho produtivo nacional e afirmou uma influência estrangeira desproporcionada no sector financeiro e noutros, como a energia ou a advocacia empresarial. Os programas eleitorais para as próximas legislativas são uma oportunidade de se dar passos decisivos nesta direcção e os eleitores deverão exigi-lo. A alternativa é persistirmos num país adiado, desfigurado pela crueldade da pobreza.

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