Será possível a uma mulher engravidar do parceiro já morto: Marcelo promulgou novo decreto da inseminação post-mortem

Quanto ao decreto sobre a eutanásia, que foi aprovado esta sexta-feira no Parlamento, o Presidente da República limitou-se a enumerar as opções que tem à sua disposição: promulgar, vetar ou enviar ao Tribunal Constitucional.

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O Presidente da República promulgou a lei nesta sexta-feira LUSA/HUGO DELGADO

Depois de ter vetado, em Abril, o diploma que passava a permitir a uma mulher engravidar do companheiro já falecido, através de inseminação artificial com sémen com autorização expressa do dador, com a justificação de que levantava problemas relacionados com a herança, Marcelo Rebelo de Sousa promulgou nesta sexta-feira o texto que o Parlamento corrigiu há precisamente duas semanas.

Numa nota publicada na página da Presidência, o chefe de Estado afirma que as alterações aprovadas ao decreto respondem a “várias das objecções suscitadas” e que o Parlamento “exerceu a sua competência de confirmação do diploma, superando o veto nos termos constitucionais”.

A lei entrará em vigor no dia seguinte a ser publicada em Diário da República e tem aplicação retroactiva, ou seja, aplica-se também a casos em que, neste momento, o homem já tenha morrido mas haja forma de a mulher provar que ambos tinham um projecto parental expressamente consentido. A prova desse consentimento é, aliás, fundamental para a autorização do uso do material genético. Tanto pode ser através de um documento que tenha deixado escrito como através de uma declaração em suporte de vídeo.

Isso significa que faltará pouco tempo para que Ângela Ferreira, a mulher do Porto que lançou uma petição e depois uma iniciativa legislativa de cidadãos, ambas entregues no Parlamento, possa engravidar usando o sémen preservado do marido que morreu em 2019, quando ambos tentavam uma gravidez.

À tarde, em Évora, à margem do 3.º Encontro Nacional de Cuidadores Informais, Marcelo Rebelo de Sousa dissera aos jornalistas que tencionava promulgar o novo diploma sobre a inseminação após a morte do dador no regresso a Lisboa e deixou em aberto uma decisão sobre o da eutanásia.

O Presidente salientou que tinha sugerido “alterações que pareciam justas" e que a nova versão da lei da inseminação post-mortem tinha chegado a Belém nesta quinta-feira – na página da iniciativa legislativa no site do Parlamento a indicação era que o texto seguira para promulgação no dia 25 de Outubro, mas nesta sexta-feira já há uma correcção indicando que foi enviada uma segunda versão no dia 4.

Questionado sobre o novo decreto que legaliza a eutanásia, que foi aprovado no Parlamento nesta sexta-feira e que corrige a primeira versão que vetou, o Presidente da República limitou-se a enumerar as opções que tem à sua disposição. “Tenho dúvidas de constitucionalidade: peço ao Tribunal Constitucional. Tenho dúvidas políticas: exercerei o direito de veto. Não tenho dúvidas nem jurídicas nem políticas: promulgo”, descreveu.

Voltando à inseminação post-mortem: o Presidente da República vetara o diploma em Abril alegando haver regras do direito sucessório sobre a não distribuição da herança do dador falecido enquanto se aguardava pelo nascimento da criança que era preciso clarificar, assim como unificá-las com o Código Civil. E pedia também a clarificação das regras sobre a retroactividade e a prova da real vontade do dador.

Com as alterações introduzidas pelo PS, BE, PCP e PAN, a “herança do progenitor falecido mantém-se jacente durante o prazo de três anos após a sua morte, o qual é prorrogado até ao nascimento completo e com vida do nascituro caso esteja pendente a realização dos procedimentos de inseminação permitidos”. Ou seja, durante esse tempo a herança é posta em administração.

inseminação da mulher com sémen do companheiro falecido pode começar a ser feita a partir de seis meses após a morte do dador e até um prazo máximo de três anos. Podem ser feitas até três tentativas de tratamentos – mas se nascer uma criança à primeira ou à segunda, a mulher não poderá fazer mais nenhuma inseminação.

Para usar o sémen do companheiro, este tem que deixar um consentimento formal antes da sua morte. Também nesta matéria o Presidente da República tinha apresentado dúvidas sobre a prova que era exigida. Assim, além de se exigir uma declaração escrita de consentimento do dador que prove a sua autorização para o uso do material genético por aquela mulher em concreto para gerar um filho porque era um projecto em comum, os partidos acrescentaram na lei que esse consentimento pode também ser “registado em videograma”.

Mantém-se a punição de pena de prisão até dois anos ou 240 dias de multa para quem recorrer à procriação post-mortem de sémen sem consentimento (tal como existe para a inseminação de embrião sem o devido consentimento).

As alterações (subscritas pelo PS, BE, PCP, PEV e PAN) e o decreto em si foram aprovados a 22 de Outubro com os votos do PS, Bloco, PCP, PAN, PEV, IL e das deputadas não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues, e tiveram o voto contra do PSD, CDS e Chega. Abstiveram-se os deputados socialistas Porfírio Silva, Fernando Anastácio, Filipe Neto Brandão, Rosário Gamboa e Bruno Aragão.

Durante todo o processo de discussão da lei, a direita usou como argumento a ideia de que a permissão da inseminação com esperma do pai já falecido não respeita o superior interesse da criança que nascerá porque um filho deve ser concebido e criado por um pai vivo. Um dos contra-argumentos da esquerda foi o de que qualquer mulher solteira, ou que tenha uma relação com outra mulher, que recorra a um banco de esperma também não haverá um pai para fazer esse acompanhamento e que no caso da post-mortem essa criança saberá quem era o seu progenitor.

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