A emancipação sem luvas de Donnarumma

Sucessor de Buffon foi decisivo ao parar penálti de Morata, no Itália-Espanha, e prepara a bofetada fatal para calar críticos e polémicas na final de Wembley.

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LUSA/Laurence Griffiths / POOL

Vaiado pelos próprios tifosi no último jogo da fase de grupos, com o País de Gales - em que foi substituído a um minuto do fim -, Gigi Donnarumma recolheu na primeira meia-final do Euro 2020, frente à Espanha, os justos aplausos de uma nação à beira da grande erupção, 53 anos depois do único título de campeão europeu.

A relação amor-ódio com os fãs do clube rossonero, que Donnarumma abandona em definitivo, aos 22 anos, depois de oito épocas em Milão, seis das quais como profissional, não impede do “gigante” criado sob o manto diáfano do Monte Vesúvio de manter a compostura enquanto bate recordes de inviolabilidade, no grande assalto o olímpo dos guarda-redes italianos.

Foi assim com a Áustria, jogo em que superou a marca do lendário Dino Zoff (campeão do mundo em 1982), ao elevar a fasquia de 1143 para 1168 minutos sem sofrer golos pela nazionale. Herdeiro natural de Gigi Buffon, segundo futebolista europeu com mais internacionalizações, com 176 jogos (recentemente superado pelo espanhol Sergio Ramos), Donnarumma tem consciência de que está ainda a anos-luz dos números do veteraníssimo guardião de 43 anos. 

Com 1,96 metros de altura e um ar monástico, Donnarumma vai precisar de apelar a toda a capacidade de recolhimento emocional para enfrentar nova vaga de emoções a que estará mais exposto do que qualquer outro jogador da nova e de certa forma revolucionária squadra azzurra

A decisão de mudar-se para Paris, onde disputará com o costa riquenho Keylor Navas a baliza do PSG, enfureceu os seguidores do AC Milan, que já em 2017 mostraram o seu lado mais cruel e implacável a Gigi, quando o então titular da baliza rossonera, com 18 anos, anunciava o desejo de rumar a paragens mais bem remuneradas.

Agora, por entre rumores de exames médicos realizados em plena Roma, em dia de folga da selecção italiana, e de um anúncio iminente da transferência oficial para o clube que também já foi a casa de Gianluigi Buffon (há três temporadas), Donnarumma sabe que o espera um papel crucial na final de Wembley, onde a conquista do título europeu significaria a libertação e emancipação absoluta de um jovem candidato a melhor guarda-redes no planeta da próxima década.

Ao defender o penálti de Morata, permitindo que Jorginho colocasse a Itália na final do Campeonato da Europa, Donnarumma conquistou créditos importantes para reforçar a carapaça que o protege desde os tempos de juvenil, quando era olhado com indisfarçável desconfiança, não pela destreza, mas pelo simples facto de ser gritantemente mais forte e mais alto do que todos os jovens da mesma idade.

Olhar de que se livrou quando deixou a humilde comuna de Castellammare di Stabia, no golfo de Nápoles, rumo à capital da moda Milão para iniciar uma carreira precoce.

Aposta do sérvio Sinisa Mihajlovic, Donnarumma estreou-se na baliza da equipa principal do AC Milan em 2015, com 16 anos e 8 meses, tornando-se no mais jovem guarda-redes dos milaneses. Esse dia chegou na International Champions Cup, frente ao Real Madrid, jogo decidido nos penáltis a favor dos espanhóis, tendo o guarda-redes italiano falhado... na hora de tirar as luvas para assumir o papel de “matador”.

Na meia-final, Donnarumma cumprimentou de forma afável Unai Simón e limitou-se a preencher a baliza, sem precisar de recordar a estreia com os “merengues”. Ele que se impôs na defesa das redes do AC Milan quando o treinador Mihajlovic, que esteve na iminência de orientar o Sporting três anos mais tarde, decidiu trocar o espanhol Diego López e projectar o que apelidou de “o futuro do futebol italiano”.

Predição que parece cumprir-se, sustentada em números e defesas incomparáveis para a idade de um predestinado que em duas épocas somava já 100 partidas pelo AC Milan. Antes mesmo, Donnarumma destacava-se como o guarda-redes mais jovem dos últimos cem anos a defender a baliza da selecção italiana. Isto depois de uma passagem meteórica pelos sub-15, sub-16, sub-17 e sub-21, sempre a queimar etapas rumo ao topo.

Apesar de todas as conquistas individuais, Donnarumma destaca o grupo, a coragem e resiliência do colectivo, reforçando a campanha desta equipa de Roberto Mancini, imbatível desde 2018, há 33 encontros, números que aguardam apenas a cereja no topo de um bolo a que os italianos querem deitar a luva.

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