Heróis de nós mesmos

Mais do que romantizar o “milagre” da vida por parte da equipa médica no jogo Dinamarca-Finlândia, importante é realçar a implementação dos processos, o cumprimento dos protocolos e a disponibilidade imediata dos meios preconizados para o uso neste tipo de situações.

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Reuters/JONATHAN NACKSTRAND

Foi no sábado, 12 de Junho, que, a meio de um duelo entre nórdicos no Euro 2020, se assistiu àquela que será uma das imagens fortes da competição — aos 42 minutos de jogo, o craque dinamarquês Christian Eriksen cai inanimado em pleno relvado.

Mais um entre vários casos de doença súbita cardíaca afectando um atleta profissional, em tempos recentes. Vejam-se os casos do futebolista Alex Apolinário, o basquetebolista Paulo Diamantino ou o guarda-redes de andebol Alfredo Quintana, que infelizmente tiveram um desfecho trágico. Isto só para nomear os casos ocorridos em Portugal.

De facto, a prevalência da doença cardiovascular na população de atletas jovens parece ser baixa (números inferiores a 0,3%), sendo que o número de casos de morte súbita em atletas é cerca de 1,2 em 100 mil por ano. Já na população geral, este número ronda os 4 em 100 mil por ano. A FIFA aponta mesmo que, entre 2007 e 2012, a jogar futebol profissional, tenham morrido 84 atletas com uma média de idades na ordem dos 25 anos.

A grande maioria destes casos prende-se com uma alteração no ritmo e contractilidade do coração dos indivíduos, muitas das vezes sem causa aparente que o justifique. Algumas explicações encontradas para estes casos prendem-se com o stress físico e psicológico do treino intenso e da própria competição, alterações metabólicas, efeitos de fármacos e outras drogas ou doença cardíaca não conhecida previamente.

Temos de reconhecer que, no caso dos atletas de elite, estes são estudados e analisados ao pormenor, estando muitas vezes sujeitos até ao overdiagnosis. Estes têm à sua disposição os melhores e mais sofisticados meios humanos, físicos e técnicos da actualidade. O que só vem comprovar que, apesar de tudo isto, existem fatalidades impossíveis de prever. É fundamental que se reconheça este ponto, tanto da perspectiva das equipas médicas, como dos próprios atletas.

Desta forma, mais do que romantizar o “milagre” da vida e ressuscitação por parte da equipa médica no jogo Dinamarca-Finlândia, importante é realçar a implementação dos processos, o cumprimento dos protocolos, a disponibilidade imediata dos meios preconizados para o uso neste tipo de situações e o automatismo dos intervenientes e do papel que cada um tem a desempenhar. E é este trabalho muitas vezes invisível que é tão importante e fulcral em grande parte das situações de emergência.

Não menos importante é o papel da educação para a saúde no que diz respeito à evicção de erros que poderão ser mais nefastos para o atleta (ou pessoa comum) do que propriamente benéficos para a sua sobrevida. É fundamental acabar, por exemplo, com o mito de colocar de imediato o atleta em posição lateral de segurança sem avaliação prévia ou a tendência muitas vezes errónea de colocar a mão na boca/língua do atleta.

Adicionalmente, torna-se imperativo a formação individual, não só nos estádios e outros recintos desportivos, mas também nas escolas, empresas, centros comerciais, etc, bem como providenciar a disponibilidade de material de ressuscitação imediato (com devidas vistorias e certificações válidas). Só assim poderemos ser também nós os nossos próprios heróis.

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