Do bife de vaca ao chocolate, a desflorestação ilegal está também no que comemos

O abate ilegal de árvores, para cultivo agrícola e criação de gado, esteve na origem da perda média anual de 4,5 milhões de hectares de floresta, entre 2013 e 2019. Vários países querem impedir que estes produtos cheguem às prateleiras dos supermercados.

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A produção de cacau, utilizado para fazer chocolate nas Honduras e na África Ocidental, esteve na origem de vastas áreas desflorestadas Unsplash/Charisse Kenion

Quase 70% da destruição das florestas tropicais para criação de gado e culturas como a soja e o óleo de palma foi ilegal, entre 2013 e 2019, revelou um estudo, publicado nesta terça-feira, alertando para o impacte nos esforços globais de combate às alterações climáticas.

O abate ilegal de árvores esteve na origem da perda média anual de 4,5 milhões de hectares de floresta — uma área do tamanho da Dinamarca — na América Latina, no Sudeste asiático e em África, lê-se no relatório da Forest Trends, uma organização sem fins lucrativos sediada em Washington, DC.

“Se não pararmos urgentemente esta desflorestação ilegal, não temos hipótese de vencer as três crises que a humanidade enfrenta — alterações climáticas, perda de biodiversidade e pandemias emergentes”, alerta Arthur Blundell, co-autor principal do relatório e consultor da Forest Trends, que trabalha em ferramentas económicas para proteger os ecossistemas.

O cultivo de óleo de palma na Indonésia e a produção de soja e de carne de vaca no Brasil (país que acolhe cerca de 60% da floresta tropical amazónica) foram os principais motores da desflorestação ilegal, explica o relatório.

A produção de outros produtos agrícolas, como o cacau, utilizado para fazer chocolate nas Honduras e na África Ocidental, e o milho na Argentina, também esteve por detrás do desmatamento ilegal de florestas.

Segundo o mesmo relatório, na Indonésia, estima-se que pelo menos 81% das terras desmatadas para a produção de óleo de palma sejam ilegais. Em países produtores de soja, como o Brasil, cerca de 93% das terras convertidas para cultivar alimentos, que ocupam as nossas cozinhas numa base diária ou que servem para a alimentação de animais, são ilegais. O relatório especifica que 93% do desmatamento florestal para plantações de cacau foi feito à margem da lei, enquanto 81% das terras desmatadas para a criação de bovinos foi feita da mesma forma.

O relatório definiu a desflorestação ilegal como a desflorestação que violou leis nacionais, tais como os madeireiros e as empresas que não obtiveram licenças dos proprietários de terras ou não realizaram avaliações de impacte ambiental, bem como casos de evasão fiscal.

Riscos da cadeia de abastecimento

Ambientalistas e alguns legisladores nos Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido estão a pedir legislação que impeça que os bens cultivados em terras ilegalmente desmatadas acabem nas prateleiras dos supermercados e, assim, travar a desflorestação ilegal.

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Nos Estados Unidos, o senador democrata Brian Schatz, do Havai, e o congressista Earl Blumenauer, do Oregon, anunciaram planos para um projecto de lei que proibisse as importações de produtos agrícolas produzidos em terras ilegalmente desmatadas.

“Penso que a maioria dos consumidores americanos concordaria fortemente que é imoral, desactualizado e absurdo que os produtos vendidos nas prateleiras dos supermercados possam ser rastreados até terras ilegalmente desmatadas”, declara Earl Blumenauer.

A abordagem é modelada na Lacey Act de 2008, aprovada nos Estados Unidos, que proibiu a importação de animais, plantas e madeira selvagens ilegalmente traficados, o que, segundo o congressista do Oregon, trouxe progresso. E o Reino Unido está a planear introduzir legislação semelhante.

O abate de florestas tem grandes implicações para os objectivos globais de travar as alterações climáticas, uma vez que as árvores absorvem cerca de um terço das emissões de carbono produzidas em todo o mundo.

O carbono emitido pelo desmatamento ilegal de florestas para a agricultura representou pelo menos 41% de todas as emissões da desflorestação tropical entre 2013 e 2019, esclarece o relatório.

Devem também ser intensificados os esforços para trabalhar com os agricultores e criadores de gado, no sentido de estes adoptarem uma moratória sobre o desmatamento florestal.

“A desflorestação ilegal é um factor-chave da perda de floresta e cria um risco significativo para as empresas da cadeia de fornecimento e instituições financeiras que podem involuntariamente fornecer ou financiar produtos de origem ilegal”, disse Justin Adams, director executivo da Tropical Forest Alliance, que trabalha para livrar as cadeias de fornecimento dos elos da desflorestação.