Amnistia e líderes indígenas pedem a Bolsonaro para agir contra pecuárias ilegais na Amazónia

Usurpação de terras protegidas para fazer criações de gado é a maior ameaça à floresta. Estima-se que 63% da área desmatada da Amazónia brasileira entre 1988 e 2014 foi transformada em pasto.

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As árvores são cortadas, são promovidas queimadas e depois é plantada erva para o gado Ricardo Moraes/REUTERS

As criações de gado ilegais na Amazónia, em reservas ou territórios de povos indígenas, são o mais importante motor de destruição da floresta, diz a Amnistia Internacional, que se juntou a um grupo de líderes indígenas para apresentar uma petição ao Governo brasileiro, com mais de 162 mil assinaturas, em que apela ao Governo de Jair Bolsonaro para que actue para travar a usurpação de terras protegidas na floresta amazónica.

“Criadores de gado e grileiros – indivíduos que tomam posse de terras ilegalmente – seguem um padrão recorrente para converter a floresta tropical em pastagem, na Amazónia brasileira. As áreas de floresta são identificadas, as árvores são cortadas e, em seguida, são promovidas queimadas (em geral, várias vezes na mesma área), para posterior plantio de erva e introdução de bovinos”, diz a organização não-governamental, que divulgou esta terça-feira um novo relatório sobre o tema, Cercar e Trazer o Boi - Pecuária Bovina na Amazónia Brasileira.

“As pecuárias ilegais são o principal motor da desflorestação da Amazónia. São uma verdadeira ameaça, não só para os direitos humanos dos povos indígenas e tradicionais que vivem na floresta, mas também para todo o ecossistema do planeta”, disse Richard Pearshouse, coordenador do programa de Crise e Ambiente da Amnistia Internacional. Estima-se que 63% da área desmatada da Amazónia brasileira entre 1988 e 2014 foi transformada em pasto.

Dados preliminares do Projecto de Monitoramento do Desmatamento na Amazónia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais brasileiro indicam que o desmatamento na Amazónia cresceu 29,5% entre 1 de Agosto de 2018 e 31 de Julho de 2019. É a maior taxa de desmatamento naquela desde 2008. A área desmatada chega a 9.762 km quadrados, o que equivale a um milhão de campos de futebol, ou o território do Chipre.​

Esforços intensificados

“Desde a chegada ao poder do Presidente Jair Bolsonaro, em Janeiro de 2019, alguns pecuaristas e grileiros intensificaram seus esforços para se apropriar ilegalmente de terras em áreas protegidas e criar bovinos. Isso ficou evidente nos cinco locais visitados para esta pesquisa, na qual a Amnistia Internacional documentou esforços recentes para expandir a pecuária bovina ilegal”, diz o relatório. 

Um líder indígena do povo de Manoki disse à ONG que cercos e queimadas a grandes áreas florestais fazem parte dos esforços dos fazendeiros para zonas protegidas e convertê-las em pasto para gado bovino.

A Amnistia Internacional esteve no terreno e observou gado em pastagem em pelo menos seis locais diferentes no território dos Manoki, além de imagens de satélite e dados oficiais terem confirmado essas práticas de pecuária em áreas protegidas.

Cerca de dois terços das áreas da Amazónia que foram desflorestadas entre 1988 e 2014 foram cercadas, queimadas e convertidas em pastagens, o equivalente a 500.000 km quadrados, numa área total equivalente a cinco vezes o tamanho de Portugal.

Contudo, além de violações ambientais, essas invasões territoriais também são frequentemente acompanhadas de violência, ameaças e intimidações, relataram à Amnistia Internacional residentes indígenas e de povos tradicionais.

Em alguns casos, inclusive no território indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a ameaça de violência armada contra povos indígenas e trabalhadores de protecção ambiental tem sido tão grave que as Forças Armadas e a Polícia Federal tiveram de intervir.

Outro dos problemas que ameaça a Amazónia é a construção de novas estradas, que atravessam áreas protegidas.

A Amnistia Internacional documentou como essas actividades de abertura de vias têm sido frequentes no território indígena do povo Uru-Eu-Wau-Wau, no estado de Rondónia, onde muitas dessas vias se sobrepõem ao Parque Nacional de Pacaás Novos.

Um agente ambiental federal declarou à ONG que, desde 2017, mais de 40 km de novas estradas foram construídos.

A organização não-governamental lançou críticas ao Governo brasileiro, liderado pelo Presidente Jair Bolsonaro, responsabilizando-o pela redução de medidas em prol da protecção ambiental. Contudo, a Amnistia Internacional acusa também governos estaduais, que compõem a área amazónica, de incentivar a pecuária ilegal.

“Enquanto o Governo de Bolsonaro reduz as protecções ambientais ao nível federal, algumas autoridades estaduais estão efectivamente a habilitar a pecuária ilegal, que destrói áreas protegidas da floresta tropical”, declarou.

A investigação da Amnistia Internacional revelou que, não apenas o Governo de Bolsonaro cortou financiamento e prejudicou as agências de protecção ambiental e indígena, como também algumas agências estaduais permitem a criação de gado em áreas protegidas.

“O público tem o direito de saber sobre a criação de gado em áreas protegidas, afinal, isso é uma actividade criminosa. As autoridades brasileiras devem disponibilizar essas informações ao público e tomar medidas significativas para acabar com a pecuária ilegal em áreas protegidas”, disse Richard Pearshouse, após a Amnistia ter solicitado dados a entidades estaduais, e estas terem negado a sua partilha, ou então partilharam dados incompletos.

Os dados obtidos pelas Amnistia Internacional sobre Rondónia mostram que havia mais de 295.000 bovinos em territórios indígenas e áreas ambientalmente protegidas naquele estado, em Novembro de 2018.

Para que as autoridades brasileiras coloquem um ponto final nas invasões a territórios protegidos, a Amnistia Internacional lançou uma petição para o efeito, que reuniu mais de 162 mil assinaturas.

A Amazónia é a maior floresta tropical do mundo e possui a maior biodiversidade registada numa área do planeta, com cerca de 5,5 milhões de quilómetros quadrados e inclui territórios do Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.

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