Comissão do Governo conclui num relatório que não há racismo estrutural no Reino Unido

A Comissão para as Desigualdades Raciais e Étnicas divulgou um relatório sobre a situação britânico que foi recebido com muitas críticas. Governo de Boris Johnson acusado de estar a esconder o problema.

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No Verão passado houve fortes protestos em Londres na sequência da morte de George Floyd. HENRY NICHOLLS/Reuters

Embora ainda não seja um “país pós-racial”, o Reino Unido já não apresenta provas de “racismo estrutural”, segundo as conclusões do relatório sobre o racismo publicado esta quarta-feira. O documento permitiu ao Governo de Boris Johnson considerar-se um país modelo no que toca à igualdade racial.

A Comissão para as Desigualdades Raciais e Étnicas, criada no Verão passado na sequência dos fortes protestos em Londres do movimento Black Lives Matter, começou a sua investigação pouco depois e contava que estivesse pronta no final do ano passado.

O relatório agora publicado foi recebido com duras críticas por activistas e especialistas em igualdade racial, considerando-o um “disparate” injusto e uma “jogada do primeiro-ministro” a fim de encobrir a existência do problema.

Como principal conclusão das 264 páginas, a comissão rejeita que o Reino Unido ainda tenha “um sistema que discrimine deliberadamente as minorias étnicas”, como anunciou à BBC o presidente da comissão, Tony Sewell.

Mais do que o racismo, factores como a influência familiar, a classe socioeconómica, a religião ou a geografia têm um impacto mais significativo nas oportunidades que surgem na vida das pessoas, revela o relatório.

A comissão não deixa, ainda assim, de admitir que o racismo no Reino Unido é um facto preocupante, com comunidades a serem “perseguidas” por um historial de casos racistas.

Mas se se depararam com evidências de racismo estrutural durante a investigação? Aí Sewell é peremptório: “Não, não encontrámos”, acrescentando que o termo “racismo estrutural” tem sido utilizado erroneamente e como uma “espécie de catch-all phrase para indicar todas as microagressões ou actos de abuso racial”.

No relatório também consta que muitas das disparidades analisadas, e que são atribuídas a discriminações raciais, geralmente não derivam daí. “O idealismo bem-intencionado de muitos jovens, que afirmam que o país ainda é institucionalmente racista, não é comprovado pelas evidências”, acrescentou o presidente da comissão.

Apresentando o país como um “modelo para países de maioria branca”, o relatório faz um balanço de várias áreas, incluindo a educação, a justiça, o trabalho e a saúde, sublinhando o progresso do país.

Entre os pontos positivos destacados no relatório incluem-se o sucesso escolar das crianças oriundas de comunidades minoritárias e o alargar de oportunidades a toda a sociedade britânica que foi impulsionado “nos últimos 50 anos”.

Também salienta que a diferença salarial entre as minorias e o resto da população desceu 2,3% em geral, sendo praticamente insignificante na faixa etária abaixo dos 30, e que houve um aumento na diversidade em várias profissões, sobretudo nas áreas do direito e da medicina.

Críticas a torto e a direito

A avalanche de críticas ao relatório corre um pouco por todas as áreas analisadas pela comissão. Logo na educação, a porta-voz do movimento Black Lives Matter no Reino Unido, citada pelo The Guardian, diz que o relatório peca por “não explorar a desproporcionalidade na exclusão escolar, no eurocentrismo ou na censura praticada nos currículos”, bem como a quebra no ensino superior.

O actual contexto de pandemia revela igualmente as discrepâncias associadas à raça e etnia que ainda persistem na área da saúde, de acordo com os críticos.

“Diga isso [que o Reino Unido não é institucionalmente racista] à jovem mãe negra que tem quatro vezes mais probabilidades de morrer no parto do que a sua jovem vizinha branca, diga isso aos 60% de médicos e enfermeiros do SNS que morreram de covid-19 e eram trabalhadores negros e de minorias étnicas”, disse Halima Begum, a directora-executiva do think thank para igualdade racial Runnymede Trust.

Para Begum, a negação do racismo estrutural no país é uma clara afronta às minorias étnicas e assinala que o relatório nada mais é que um “guião escrito para o número 10 de Downing Street”. Uma posição partilhada por Kehinde Andrews, professor na Universidade de Birmingham ouvido pela BBC, para quem o estudo “não demonstra um esforço genuíno para entender o racismo no Reino Unido”.

Seja de onde venham, as críticas acabam por convergir num aspecto: que o Governo deveria combater o problema do racismo na linha da frente ao invés de negar a sua existência.

Recomendações deixam a desejar

O relatório deixa ainda 24 recomendações, a que o primeiro-ministro Boris Johnson se prontificou, num comunicado após a publicação da investigação, a integrá-las em “futuras políticas governamentais”.

Que as crianças devem ter uma maior orientação profissional nas escolas ou que tem de haver “um afastamento da formação de preconceitos inconscientes” são algumas das recomendações.

Uma foi contestada em especial, nomeadamente a que desaconselha o uso do acrónimo BAME (que engloba os negros, os asiáticos e as etnias minoritárias), atribuindo-lhe uma “relevância limitada” sob o pretexto de as semelhanças entre os grupos terem o mesmo peso que as suas diferenças. O movimento Black Lives Matter do país acusou a comissão de “disfarçar insidiosamente as desigualdades enfrentadas pelos trabalhadores que vêm do Bangladesh, Paquistão, Caraíbas ou África”.

“Se o melhor que este Governo consegue fazer é elaborar um livro de estilo sobre a terminologia BAME, ou o que devemos fazer em relação à formação de preconceitos inconscientes, ou prolongar algumas horas de escola, então receio que este Governo já não tem a confiança das comunidades negras e das minorias étnicas”, concluiu Halima Benum.

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