Na JCP, a luta também se faz com um guião de 15 páginas

Cem jovens desfilaram pela Baixa lisboeta durante duas horas para assinalar locais emblemáticos de um século de luta comunista.

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Nuno Ferreira Santos
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No Largo do Carmo, em Lisboa, Eduardo Lima anda de volta do carro do som com um monte de folhas A4 na mão, fala com outros camaradas de walkie-talkie, dá indicações a outra jovem de microfone. São quinze folhas, incluindo uma a destoar, amarelada, arrancada de um bloco pequeno, onde está descrito um exaustivo guião de uma manifestação que durante duas horas percorreu as ruas da Baixa lisboeta. Estão lá o minuto a que devia chegar ao ponto X e dali partir para o ponto Y, o percurso das ruas, as palavras de ordem que se iam ouvindo pelo altifalante do carro, as músicas que eram ouvidas, as declarações que se liam e quem as lia, e até fotografias dos locais de paragem com desenho a esferográfica do sítio exacto onde estacionavam o carro e montavam as colunas de som e o microfone.

“Temos que estar todos coordenados. E não nos podemos adiantar nem atrasar para chegarmos ao Rossio às 15h em ponto”, conta o jovem da organização regional de Lisboa da Juventude Comunista Portuguesa (JCP). O percurso que este sábado os jovens fizeram já tinha sido feito pela organização várias vezes, que o preparou ao longo de meses, diz. Em volta dos textos de computador há anotações à mão, a caneta vermelha e azul, com gatafunhos que mostram que o guião foi sendo editado para que nada falhasse.

O largo que nos habituámos a ver nas fotos do 25 de Abril de 1974 cheio de populares, soldados e chaimites foi este sábado “invadido” por pouco mais de uma centena de jovens da JCP, com bandeiras do Partido Comunista Português e algumas de Portugal ao ombro e cravo vermelho na mão (que lhes fora entregue na esquina da Travessa do Carmo). Ordeiramente parados no lugar indicado por um simples autocolante branco no chão que se confundia com a calçada, e sob os jacarandás que ainda não abriram em flor, ali ouviram o comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA), lido pouco depois das 4h no Rádio Clube Português, alguns sons do 1.ª de Maio de 1974, um excerto do poema As portas que Abril abriu, de José Carlos Ary dos Santos, a declaração de Álvaro Cunhal à chegada ao aeroporto de Lisboa vindo do exílio, e Grândola, Vila Morena.

Mas esta foi apenas a última paragem de um passeio de homenagem chamado “100 jovens em desfile. Passos pela história do PCP, o socialismo no horizonte!” que começara às 13h na Rua do Arsenal para recordar Bento Gonçalves. “Bem unidos façamos,/ Nesta luta final,/ Duma Terra sem amos/ A Internacional”, cantaram, sempre alinhados em filas de três pessoas, distanciados e de máscara, numa estrutura controlada que se manteve ao final. Ao som da Internacional, os jovens começaram o percurso de punho direito levantado e cerrado a lembrar o secretário-geral do partido entre 1929 e 1942, que trabalhou no Arsenal da Marinha como torneiro mecânico e morreu no campo de concentração do Tarrafal. Também se foram ouvindo as frases habituais dos desfiles comunistas e os gritos de “JCP”, “O povo unido jamais será vencido”, “Paz sim, guerra não”.

Na segunda paragem, andaram para trás na história do partido: em frente ao 225 da Rua da Madalena encenaram a fundação do PCP, a 6 de Março de 1921, na então Associação dos Empregados de Escritório. A votação para a sua criação foi aprovada por unanimidade e aclamação da centena de bandeiras no ar, sob o hino do partido. “Avante, camarada, avante,/ Junta a tua à nossa voz!/ Avante, camarada, avante, camarada/ E o sol brilhará para todos nós!”

A seguir, na Rua António Maria Cardoso, foi tempo de recordar as décadas de opressão da polícia política, junto à sua sede (que é agora um condomínio habitacional), com uma declaração e uma perseguição a dois comunistas sob o sol das duas da tarde e uma intervenção. Uma encenação que não provocou grandes gargalhadas a quem estava a homenagear os milhares de militantes que foram vítimas da PIDE/DGS até à tarde de 25 de Abril de 1974, quando ali junto ao Chiado foram mortas mais quatro pessoas. “Vá camarada mais um passo/ que já uma estrela se levanta/ cada fio de vontade são dois braços/ e cada braço uma alavanca”, ia-se ouvindo do carro do som, que desfiava o Hino de Caxias, um texto icónico que terá sido criado por presos daquela prisão na década de 50.

O desfile foi acompanhado por meia dúzia de agentes da PSP, mas nos cruzamentos das ruas por onde foram passando havia sempre um carro ou uma mota ou dois ou três polícias. Os manifestantes cruzaram-se com muito poucas pessoas. O cenário de uma Lisboa em confinamento e à hora do almoço é desolador: ruas praticamente vazias, lojas fechadas e só os estafetas de entregas de comida de plataformas informáticas se iam cruzando aqui ou ali com o desfile.

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