Chef Rui Paula lamenta “silêncio” da Câmara do Porto sobre apoios à restauração

O conceituado chef critica a falta de apoio, “até moral”, da autarquia. Oposição concorda que o executivo “deve dar mais atenção” ao sector mas câmara diz que foi o Governo que centralizou estes apoios

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O sector da restauração vive uma situação dramática. Na fotografia, o Avenida Café & Restaurante Nelson Garrido

No último ano, têm sido vários os apoios aprovados pela Câmara do Porto para mitigar os efeitos da pandemia no tecido económico da cidade, como a criação de um fundo de apoio a empresas de serviços, comércio e turismo, a redução para metade das rendas de imóveis municipais ligados ao turismo ou a disponibilização de vales de desconto para o comércio de rua na época natalícia. Em Maio, a autarquia alterou as regras de ocupação do espaço público para permitir a instalação ou expansão das esplanadas de restaurantes e cafés e, assim, maximizar a sua capacidade face às restrições no interior. Mas o apoio terminou aí e suscitou críticas. A câmara remete para o Governo.

À excepção da isenção de taxas municipais, até 31 de Dezembro de 2021, relativas aos suportes publicitários ou estruturas como toldos, vitrinas e expositores, colocados na rua, a restauração não foi abrangida por nenhuma medida de apoio na esfera municipal. Rui Paula, aclamado chef que detém o DOP, restaurante situado no Largo de São Domingos, considera “estranho que uma autarquia com a responsabilidade do Porto, a segunda maior cidade do país, não dê apoio, nem moral, ao sector”. Referindo os “bons exemplos de outros municípios”, como “Matosinhos, em que a câmara ofereceu o serviço de entregas take-away”, ou “o Lisboa Protege [programa de apoio a fundo perdido para restaurantes e comércio], que já vai em 20 milhões de euros”, o chef lamenta “o silêncio da autarquia” sobre o assunto. 

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O chef Rui Paula Nelson Garrido

“Não são 10 mil euros que vão resolver o problema da restauração”, reconhece ao PÚBLICO. “É uma questão de estar presente, solidário e dizer ‘estamos ao vosso lado’”. Há 33 anos no sector e há 11 na baixa, Rui Paula nota que muitos restaurantes do quarteirão onde está o DOP, entre a Rua Mouzinho da Silveira e a Rua das Flores, foram “negócios que abriram ali porque foram incentivados a isso [também por políticas municipais]. “A Câmara tem responsabilidade aqui”, atira.

Sector pede apoio a custos fixos

Vasco Coelho Santos, dono dos restaurantes Euskalduna Studio e Semea by Euskalduna, o último na Rua das Flores, refere que o apoio camarário tem sido insuficiente. “[Na questão das esplanadas], deram-me só dois lugares além dos quatro que já tinha, e numa rua em que não passam carros poderiam ter sido mais”. O chef afirma que a autarquia poderia adoptar medidas de “apoio no pagamento de água, luz ou rendas” e sublinha a importância da restauração no crescimento económico e turístico da cidade. “Tenho muitos clientes que dão mais ênfase a restaurantes que a museus”.

Já Reinaldo Pereira, dono d’O Ernesto, na Rua da Picaria, considera que “as autarquias não têm que substituir o Estado, porque isso cria o desfavorecimento de uns perante outros”. “Há câmaras que têm mais fundo de maneio [e podem dar esse apoio] e outras que estão mais endividadas”, justifica. O empresário refere que a intervenção da câmara deve cingir-se à sua jurisdição”, como é o caso da “suspensão de pagamentos das publicidades”. Para Reinaldo Pereira, “o problema é a burocracia que tudo isso envolve”. “Eles têm os dados e podem fazer a suspensão directamente, mas pedem uma série de documentos, quando tenho muitas outras preocupações”, lamenta. No seu entender, a CMP tem responsabilidade ao nível de “apoios locais e logísticos, como o pagamento de rendas, luz e águas”. “Esses apoios deveriam funcionar durante os meses em que estou fechado”.

"Câmara deveria ter ido mais longe"

Questionada pelo PÚBLICO, a oposição concorda que o município deveria prestar mais apoios ao sector. Ilda Figueiredo, vereadora da CDU, afirma que “mesmo que deva ser o Governo a dar esses apoios, as autarquias devem apresentar disponibilidade para o fazer, na medida do possível”. Mas a dirigente comunista não responsabiliza a Câmara sobre a falta de apoios, porque o Governo também não dá apoios às autarquias para isso”. O social-democrata Álvaro Almeida acredita que “a Câmara deveria ter ido mais longe” e diz que “o PSD sempre considerou que a câmara estava a orientar mal os seus apoios”. “Foi aprovada em Assembleia Municipal uma prorrogação de redução de taxas urbanísticas que é, no fundo, um apoio à construção”, critica. “Esse apoio não é urgente e seria melhor aplicado em sectores como a restauração”.

Manuel Pizarro, vereador do PS, vai mais longe e aponta que “este é um caso exemplar do que tem sido uma certa ausência [da CMP] no apoio às actividades económicas e ao sector social”. “É absolutamente surpreendente, quando a Câmara tem uma situação financeira completamente desafogada”. O socialista acusa o executivo independente de “comportar-se nesta fase como estando em fim de ciclo” e de haver “quase uma desistência”.

Apoios “centralizados e não territorializados"

Em Novembro, o PAN apresentou, em Assembleia Municipal, um conjunto de medidas de apoio à economia local que incluía “uma linha de apoio extraordinário municipal às pequenas e médias empresas, incluindo do sector da restauração”, recorda Bebiana Cunha, deputada municipal e do grupo parlamentar do PAN, em e-mail ao PÚBLICO. Apesar de ter sido aprovada, observa, “a proposta colheu o voto contra do Grupo Municipal “Rui Moreira: Porto o Nosso Partido”, o que denota desde logo a falta de abertura do movimento à implementação de medidas extraordinárias a este sector”. O PAN não descarta a responsabilidade do Governo na cedência destes apoios, mas acredita que “é preciso a nível local garantir o aprofundar destas respostas”. 

Em resposta ao PÚBLICO, a Câmara Municipal do Porto refere que “ao contrário do que sucedeu noutros países, nomeadamente em Espanha, entendeu o Governo que todos os estímulos à economia em contexto de pandemia, todas estas medidas de apoio, deveriam ser centralizadas e não territorializadas”. O executivo afirma “compreender a aflição do sector da restauração”, mas lembra que “o Estado não aumentou a dotação [orçamental] para as autarquias que se viram confrontadas com a significativa perda de receita fiscal e tiveram de assumir um conjunto de encargos com a crise sanitária”. 

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