União de facto e o direito a receber uma compensação pelo trabalho doméstico realizado

Reconhecendo a necessidade de proteção legal que muitas vezes se regista no âmbito destas relações, o legislador tem vindo, paulatinamente, a aproximar, a cada revisão da lei, os regimes legais de casamento e união de facto. E o STJ, com esta decisão, veio dar um passo mais nesse sentido. E, a nosso ver, bem.

Foi recentemente notícia uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que condenou um homem a pagar à sua ex-companheira uma compensação referente ao trabalho doméstico por ela desempenhado durante 30 anos de vida em comum. O valor arbitrado pelo tribunal foi de 61 mil euros.

Até agora, o STJ já havia decidido, em várias ocasiões, não haver lugar a qualquer compensação em virtude de trabalho doméstico realizado no âmbito de uma união de facto.

Esta mais recente decisão do STJ veio contrariar aquela linha decisória, consagrando aquele que, para todos os efeitos práticos, poderá passar a ser um novo direito subjetivo emergente da união de facto em Portugal. Nesta específica matéria, casamento e união de facto passariam a estar praticamente equiparados, podendo o unido de facto reivindicar uma compensação nas mesmas circunstâncias em que o Código Civil (art 1676.º, n.º 2) já o admite para os casados.

Dir-se-á que a decisão do Supremo é de elementar justiça: ao longo de 30 anos de vida em comum, as tarefas domésticas recaíram inteiramente sobre um dos membros do casal, o que permitiu ao outro dedicar-se inteiramente aos seus negócios e aumentar o seu património. No caso de casamento celebrado sob um dos regimes da comunhão de bens, que são a esmagadora maioria, o património comum do casal, em caso de divórcio, seria partilhado entre ambos e, assim, ao menos em parte, ambos colheriam os benefícios desta divisão de tarefas entre o casal. No caso da união de facto, porém, não há lugar à criação de um património comum, e os proventos conseguidos apenas beneficiam aquele que pôde dedicar-se à sua atividade profissional, livre de constrangimentos e obrigações domésticas. Dito de outro modo, a necessária reposição do equilíbrio das contribuições de cada um para a vida familiar não se poderá fazer, no caso da união de facto, por via da partilha do património do casal.

Sabemos, porém, que existem argumentos ponderosos para que a lei defina diferentes direitos e obrigações para os casados, por um lado, e unidos de facto, por outro. E, desde logo, o respeito que ao Estado deve merecer a decisão de cada casal que opta pela união de facto em detrimento do casamento. Fará sentido impor-lhes um regime legal que decidiram não adotar voluntariamente?

Há muito que a generalidade dos países ocidentais reconhece direitos aos membros de uniões menos formais por uma pluralidade de razões. Por vezes não está em causa uma verdadeira escolha consciente, mas a mera inércia ou, então, dificuldades económicas que impedem a celebração do casamento. Noutros casos, parte-se da convicção, errónea, de que a união de facto produz os mesmos efeitos que o casamento. Em algumas situações trata-se de uma opção de apenas um dos membros do casal – tipicamente aquele com melhores condições económicas – que é tolerada pelo outro. Porventura, somente numa minoria de casos existirá uma escolha verdadeiramente livre e esclarecida do casal.

Reconhecendo a necessidade de proteção legal que muitas vezes se regista no âmbito destas relações, o legislador tem vindo, paulatinamente, a aproximar, a cada revisão da lei, os regimes legais de casamento e união de facto. E o STJ, com esta decisão, veio dar um passo mais nesse sentido. E, a nosso ver, bem.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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