PS quer Parlamento a demarcar-se de incompatibilidade de membro que elegeu para o Conselho Superior do Ministério Público

Parecer do conselho consultivo da PGR diz que acumulação de cargos na Ordem dos Advogados e no CSMP é incompatível, mas já houve quem o fizesse, como o ex-bastonário José Miguel Júdice. Menezes Leitão disse ao PÚBLICO há um ano que não havia incompatibilidade. Assunto é discutido esta tarde na AR.

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Nuno Ferreira Santos

O deputado socialista José Magalhães quer que a Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados e a Comissão de Assuntos Constitucionais se demarquem da questão da incompatibilidade identificada por um parecer do conselho consultivo da Procuradoria-geral da República entre o cargo de vice-presidente do conselho geral da Ordem dos Advogados e o de membro do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), acumulados por Rui da Silva Leal, eleito em Dezembro de 2019 pelo Parlamento. E pretende mesmo que a Transparência inste a PGR a incluir no seu regulamento interno uma regra sobre o “procedimento a adoptar quando ocorra uma situação de incompatibilidade no seio do CSMP”.

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O deputado socialista José Magalhães quer que a Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados e a Comissão de Assuntos Constitucionais se demarquem da questão da incompatibilidade identificada por um parecer do conselho consultivo da Procuradoria-geral da República entre o cargo de vice-presidente do conselho geral da Ordem dos Advogados e o de membro do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), acumulados por Rui da Silva Leal, eleito em Dezembro de 2019 pelo Parlamento. E pretende mesmo que a Transparência inste a PGR a incluir no seu regulamento interno uma regra sobre o “procedimento a adoptar quando ocorra uma situação de incompatibilidade no seio do CSMP”.

O advogado, quando foi ouvido em Dezembro de 2019 na Comissão de Assuntos Constitucionais no processo de eleição para o CSMP, anunciou que tinha sido eleito dias antes para o conselho geral da Ordem dos Advogados e nenhum deputado fez qualquer pergunta ou comentário sobre o assunto. Questionado pelo PÚBLICO sobre o teor do parecer, Rui da Silva Leal realçou não ser um parecer vinculativo e argumentou que não se trata de uma questão de incompatibilidade mas apenas de “impedimento pontual”, quando surjam assuntos em que possa haver conflito de interesses. E acerca da audição no Parlamento, sublinhou: “A opinião da Assembleia da República, que é o órgão de soberania que me elegeu, foi diferente [do parecer da PGR]: se considerasse que havia incompatibilidade, não me teria deixado ir a votos. É a senhora procuradora-geral da República que vai pôr em causa uma eleição no Parlamento”, questionou.

PS quer comissão a dar conselhos à PGR

Para além de querer que a Comissão de Transparência aconselhe a PGR a criar regras para os casos de incompatibilidade, o grupo parlamentar socialista pretende que a comissão deixe também um conselho sobre o que deve fazer agora o Conselho Superior do Ministério Público. “Quando a situação de incompatibilidade tenha sido declarada e comunicada ao conselho mais o membro em situação de incompatibilidade tenha continuado a exercer funções incompatíveis, caberá ao CSMP, alvo melhor opinião, tomar as medidas necessárias ao restabelecimento da situação que existiria se a acumulação indevida não tivesse ocorrido”, lê-se no requerimento que é discutido na reunião da Comissão de Transparência nesta terça-feira à tarde.

O parecer sobre a existência de uma alegada incompatibilidade na acumulação dos dois cargos foi pedido em Fevereiro do ano passado ao conselho consultivo pela procuradora-geral da República, Lucília Gago, que anunciou o resultado ao Conselho Superior do Ministério Público no início de Maio – altura em que Rui da Silva Leal deu ao resto dos membros a sua leitura da lei. A procuradora anunciou então que iria enviar o parecer ao Parlamento, o que fez no final desse mês. Chegado à AR, o parecer seguiu para a Comissão de Assuntos Constitucionais e o presidente, o social-democrata Luís Marques Guedes, despachou-o para a Comissão de Transparência e deu conhecimento do seu conteúdo a todos os deputados da sua comissão.

Durante oito meses ninguém se pronunciou sobre o assunto e só depois de o PÚBLICO ter questionado as comissões e o gabinete de Ferro Rodrigues se percebeu que os serviços não tinham dado seguimento à ordem de Marques Guedes e também que nenhum deputado havia lido o email e o parecer que recebera a 3 de Junho.

Lucília Gago arrisca-se, porém, a não ter qualquer resposta. Porquê? Porque Jorge Lacão, presidente da Comissão da Transparência, disse ao PÚBLICO há dez dias, quando se percebeu que o parecer tinha andado “perdido” entre os serviços do Parlamento, que “o ofício da PGR limita-se a dar conhecimento do parecer. Não pede qualquer pronúncia.” Além disso, não está prevista na lei solução para a questão: Rui da Silva Leal foi eleito pela Assembleia da República e não há forma de esta voltar atrás, realçou o socialista Jorge Lacão.

Magalhães vinca que não falou da incompatibilidade

Questionado pelo PÚBLICO sobre a razão pela qual não havia questionado Rui da Silva Leal logo na audição de Dezembro de 2019 sobre a alegada incompatibilidade, o socialista José Magalhães diz agora que não falou, porque “era uma questão que se resolvia por uma renúncia ao cargo da Ordem”, lembrando que não havia ainda um “apoio de uma entidade credenciada”.

“Numa altura em que se falava de forma abjecta de escolha familiar íamos nós introduzir a questão da incompatibilidade”, questiona o socialista numa referência ao facto de Rui Rio ter indicado Rui da Silva Leal, que é marido da deputada do PSD Mónica Quintela. “Não perguntei, porque não é um impedimento à candidatura, mas apenas ao exercício.”

“O que a AR não fez foi pronunciar-se pela acumulabilidade dos dois cargos, como Rui da Silva Leal pretende fazer crer com essa declaração. Quando é que a AR deu uma opinião sobre esta questão? Nunca”, defende o deputado José Magalhães. 

Depois de José Magalhães entregar um requerimento para que seja a Comissão de Assuntos Constitucionais a pedir um direito de resposta ao PÚBLICO pelas declarações de Rui da Silva Leal – um pedido que dificilmente se enquadra na figura legal do direito de resposta consagrado na Lei de Imprensa -, a bancada do PS reformulou o pedido e pretende agora que a comissão divulgue uma “nota de esclarecimento”, afirmando que não lhe cabe a “avaliação da existência de eventuais situações de incompatibilidade ou impedimento relativos a órgãos externos à Assembleia da República. Só os próprios organismos, nos termos dos respectivos estatutos, podem pronunciar-se sobre a existência de tais impedimentos ou incompatibilidades.” O requerimento é debatido na reunião da comissão desta terça-feira à tarde.