Morreu o poeta palestiniano Mourid Barghouti

Obra de Barghouti reflectiu a sua condição de deslocado mas nunca gostou de ser definido como “poeta do exílio”. Morreu na sua casa em Amã.

Foto
Mourid Barghouti em 2014 Leonardo Cendamo/Getty Images

O poeta palestiniano Mourid Barghouti morreu este domingo na capital da Jordânia, Amã. O Ministério da Cultura da Autoridade Palestiniana lamentou a “perda de um símbolo de luta nacional e criatividade”.

Apesar de ser sobretudo poeta, Barghouti foi mais conhecido internacionalmente pelo romance autobiográfico Eu vi Ramallah (não editado em Portugal), inspirado pela sua visita a Ramallah depois da assinatura dos Acordos de Oslo nos anos 1990, que previam a criação de um Estado palestiniano. Foi uma visita sob controlo israelita, a que Barghouti recusou chamar “um regresso”.

O livro é “um dos melhores relatos existenciais da deslocação dos palestinianos”, disse o escritor Edward Said (que morreu em 2003), autor do prefácio para a edição brasileira do livro (Eu vi Ramallah, ed. Casa da Palavra).

Nascido em 1944, quatro anos antes da criação do Estado de Israel (a Nakba, catástrofe, para os palestinianos) numa aldeia perto de Ramallah, Barghouti estudava Literatura Inglesa no Cairo quando rebentou a guerra israelo-árabe de 1967, e não conseguiu regressar a Ramallah durante 30 anos, diz a emissora Al-Jazeera.

Como palestiniano com passaporte jordano, Barghouti também só podia entrar em Jerusalém, ou qualquer parte dos territórios ocupados com excepção de Ramallah, com uma licença especial, lembra o diário The Guardian quando entrevistou o poeta em 2008.

O sentimento de estar para sempre afastado da sua terra natal está não só no livro autobiográfico, que teve depois o que foi visto como uma continuação, Eu nasci aí, eu nasci aqui, também não editado em Portugal, mas também nos seus poemas (escreveu doze livros de poemas).

Viveu em vários países na região, incluindo no Líbano, Jordânia, e Iraque, e duas vezes no Egipto, onde conheceu a mulher, a escritora Radwa Ashour (que morreu em 2014) e de onde foi deportado em 1977 por ser uma voz incómoda para Anwar Sadat.

Foi defensor da causa palestiniana e membro da Organização para a Libertação da Palestina, mas manteve sempre distância de partidos e facções. Criticou os Acordos de Oslo e a Autoridade Palestiniana. “Os meus colegas são agora ministros em Ramallah. Eu defendi a libertação da Palestina, mas nunca defendi eleições fraudulentas. Arafat [que morreu em 2004] não é um líder democrata”, disse também ao Guardian.

Fez leituras e apresentou os seus livros por todo o mundo (Portugal é uma excepção), e ensinou poesia palestiniana e árabe nas universidades de Oxford, Manchester, Oslo, Madrid, entre outras.

Nunca gostou de ser definido como “poeta da resistência” ou “poeta do exílio”, termos muitas vezes aplicados a si e outros escritores palestinianos que escreveram sobre a ocupação. “Não somos poetas com um só tema. Um momento de alegria ou tristeza tem uma justaposição como seu oposto. Não há uma face, eu vejo duas. Questiono-me constantemente; quando se simplifica demasiado, mais vale desistir”.

O seu único filho, Tamim Barghouti, referiu a morte do pai com uma frase no Facebook (a causa da morte não foi divulgada): “Que Alá tenha misericórdia da minha mãe e do meu pai”, cita a Al-Jazeera. Tamim Barghouti é um dos poetas mais famosos da sua geração (as suas leituras enchem estádios) e a imprensa palestiniana refere-se a si como “o poeta de Jerusalém” por um poema sobre uma tentativa de visita à cidade.

Sugerir correcção
Comentar