Que nenhuma criança fique para trás

Como liberal, como mulher, como mãe e como cidadã, o que eu quero é uma política de educação com verdadeiras oportunidades para todos. E uma nova política de educação que preconize um princípio simples, claro e inequívoco: que nenhuma criança fique para trás.

Oiço muitas vezes dizer que “os liberais querem acabar com a escola pública”. Esta ideia não poderia ser mais absurda, sendo que, dependendo do seu autor, oscila entre a ignorância e a desonestidade intelectual. A questão requer uma profunda reformulação. Como liberal, como mulher, como mãe e como cidadã, o que eu quero é uma política de educação com verdadeiras oportunidades para todos. E uma nova política de educação que preconize um princípio simples, claro e inequívoco: que nenhuma criança fique para trás.

Este princípio traduz-se, nomeadamente, na criação de oportunidades, especialmente em meios socioeconómicos desfavorecidos, e na potenciação de capacidades e talentos. Isto exige uma elevada autonomia das escolas e a promoção de uma relação de proximidade com toda a comunidade escolar. Acima de tudo, a escola deve ser um espaço de liberdade: de liberdade de realização, de evolução e de crescimento intelectual, um espaço que não torna determinantemente vinculativa e nem estigmatiza com base na proveniência socioeconómica de cada criança.

Um estudo recente, realizado pela  NOVA SBE, coordenado por Bruno Carvalho, Mariana Esteves, Miguel Herdade, Pedro Freitas e Susana Peralta,  “Crianças em Portugal e ensino à distância: um retrato”, expõe as enormes dificuldades sentidas por famílias com um baixo nível de escolaridade, particularmente famílias numerosas e monoparentais, num fenómeno que não ocorre apenas numa região do país (o que já seria demasiado mau), mas que se verifica generalizado por todo o país. Um país que continua a ter parte das suas crianças a viver em casas sem condições, em contextos de crime e violência, com fome e com frio. Um país com um retrato destes precisa obrigatoriamente de repensar tudo: desde a educação à desumana situação de pobreza escondida. Há que reconhecer a falência das políticas seguidas, assentes em fundamentalismo ideológico, e de medidas populistas acionadas para a compra de votos. Há que agir e não deixar que o tema caia no esquecimento, até que se mude o paradigma e as atitudes dos governantes.

Quando falamos de desigualdade e de oportunidades, sabemos que estamos a falar de algo que afeta toda uma nação, e é reflexo também do que falhou no passado e no presente. Quando atinge assim as crianças, acrescenta-se a dimensão que se perpetuará no futuro.

Antes ainda da pandemia, uma auditoria do Tribunal de Contas colocava nas “ruas da amargura” a estratégia nacional (ou falta dela) contra o abandono escolar. Toda esta temática não é, por isso, nova, mas agravou-se e tornou-se visível e indisfarçável face às circunstâncias.

Deveríamos estar concentrados em promover os níveis de desempenho, a exigência de conhecimento, as condições de ensino. Deveríamos estar focados em resolver problemas reais nas nossas escolas e em fazer com que cada criança tenha efectivamente a oportunidade de crescer e evoluir através da educação.

Ao invés de se fazer da educação um efectivo desígnio, continua-se a apostar numa enorme mão cheia de nada, ou em medidas avulsas, desgarradas e envoltas em polémicas espúrias. Ao invés de ter os alunos como centro e prioridade das políticas, continua-se a ver governos a ceder a corporativismos e sindicalismos.

É esta a política de educação que queremos? Se nada disto pode ser considerado uma surpresa, a falta de preparação do Governo para este ano escolar atípico veio revelar bem mais do que apenas incompetência: releva a falta de cuidado, de planeamento e de capacidade de priorizar aquilo que devia ser indubitavelmente central – as crianças.

Noutros textos tenho salientado as preocupações com problemas ao nível de saúde mental e o seu impacto no desenvolvimento das crianças. Falar de escolhas de “ensino à distância” e “ensino presencial” tem, imperativamente, de levar tudo isto em grande consideração. Desenvolver políticas de educação não pode continuar a ser um trabalho de teoria, propaganda e instinto de auto-preservação de quem está no poder. Já vimos que o Governo falhou – mas houve quem se revelasse pelos alunos. Os professores.

Ser professor é das profissões mais nobres e relevantes de um país. Nestes últimos meses, os professores têm-se superado na adversidade, numa demostração de resiliência e capacidade de adaptação. Porquê? Provavelmente porque, quer os que têm boas condições escolares e estão num ambiente motivador e estimulante, quer os que estão com falta de autonomia, recursos, projetos e que recebem orientações ziguezagueantes por parte da tutela, colocaram a sua missão e os seus alunos acima de tudo. Fizessem o Governo e o(s) seu(s) ministros(s) o mesmo…

Se assim fosse, teríamos estado, antes do verão, a falar de recuperação de matéria e conteúdos, teria havido preparação eficaz, planeamento e não se teria adiado a compra de material informático. Mas isto não é só responsabilidade do ministro da Educação. Um país que tem tantas crianças em situação de fome, frio e falta de condições habitacionais é um país subdesenvolvido e sem visão de futuro. Mais do que vãs, são vis as palavras ocas que afirmam que a educação é uma prioridade. Não foi, e não é.

A política pública de educação falhou: urge uma reforma desta política, destes governantes e a implementação de toda uma nova visão.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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