Há Pressa no Ar, mas só para mostrar Lisboa

O videoclipe do hino da Jornada Mundial da Juventude cumpre o propósito de mostrar uma Lisboa bonita e cheia de luz, mas falha no propósito de mostrar pontos fundamentais, não só do catolicismo como do cristianismo, em geral.

Foto
O tema “Há Pressa no Ar” foi gravado em cinco idiomas (português, inglês, castelhano, francês e italiano). DR

Foi apresentado esta semana o hino oficial da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), a acontecer em Lisboa em 2023. A música, que se intitula Há Pressa no Ar, foi composta pelo músico Pedro Ferreira e escrita pelo padre João Paulo Vaz. A melodia fica de imediato no ouvido e bastam alguns segundos para sabermos o refrão de cor. O problema está no vídeo que a acompanha — pouco mais do que um postal turístico de Lisboa.

Há Pressa no Ar parte do tema que o Papa Francisco escolheu para a JMJ, inicialmente prevista para 2022: “Maria levantou-se e partiu apressadamente” (Lc1,39). A proposta é então que os jovens de todo o mundo se reúnam em Lisboa para reflectir sobre o “sim” de Maria e a pressa em ir ao encontro da prima Isabel, para lhe anunciar que espera o Filho de Deus.

“Todos vão ouvir a nossa voz, levantemos os braços, há pressa no ar. Jesus vive e não nos deixa sós. Não mais deixaremos de amar”, exulta o refrão do hino. Ao ver o videoclipe, de quase seis minutos, torna-se, no entanto, difícil concentrarmo-nos no que diz a letra.

Senão, vejamos: o vídeo começa com vários jovens de mochila às costas a chegar à estação de comboios de Santa Apolónia. De seguida, vão conhecer a Sé de Lisboa e, pelo caminho — que é feito de tuk-tuk —, cruzam-se com vários eléctricos. Começa assim a viagem pelos pontos turísticos da cidade, desde miradouros, onde tocam e cantam, até ao Mosteiro dos Jerónimos e Padrão dos Descobrimentos. O grupo ainda vai — cliché dos clichés — comer pastéis de nata. O dia de passeio turístico termina com uma fogueira numa praia em Cascais.

O filme cumpre o propósito de mostrar uma Lisboa bonita e cheia de luz, como a conhecemos, mas falha no de mostrar outros tantos pontos fundamentais, não só do catolicismo, como do cristianismo, em geral. A pandemia é quase ignorada num vídeo onde todos se abraçam e se beijam. A covid-19 não só mudou — infelizmente — a forma como nos relacionamos com o próximo, como também a nossa maneira de viver a fé.

Sobretudo em tempos como os que vivemos, muitos de nós poderão ter encontrado na oração um refúgio e uma forma de tentar compreender este momento que a humanidade atravessa. Mas onde está a oração no videoclipe de Há Pressa no Ar? Bem sei que “cantar é rezar duas vezes”, mas estes jovens parecem tão apressados em conhecer Lisboa que nem param por um minuto, nas muitas igrejas que visitam, para rezar ou ficar, simplesmente, em silêncio — tal como fez o Papa Francisco, na Praça de São Pedro, no Vaticano, quando rezou pelo fim da pandemia de covid-19.

Onde fica a caridade? No passeio turístico, os jovens compram pastéis de nata que gentilmente oferecem a uma velhinha no Bairro Alto. Será esse gesto suficiente para demonstrar o amor ao próximo numa época em que tantos se debatem com problemas económicos? Há uma letra de um cântico de Taizé — uma comunidade ecuménica em França, que recebe milhares de jovens todos os anos para uma experiência de reflexão espiritual — que diz: “Onde há caridade, aí se encontra Deus”. O gesto para com a idosa parece, no entanto, forçado, no meio de tanta agitação. Faz lembrar os brioches que Maria Antonieta terá recomendado aos camponeses que não tinham pão. Neste caso, há pastéis de nata. 

Onde está a diversidade do povo de Deus? Ao observarmos os vários jovens participantes neste postal transformado em videoclipe, poder-se-á pensar que em Portugal só existem jovens brancos, que não existem jovens de diferentes classes sociais ou tribos urbanas, como se os católicos tivessem sido desenhados a régua e esquadro segundo um ideal branco, de classe média-alta. Serão unicamente esses o futuro de uma Igreja que se quer ser aberta, acolhedora e tolerante? Uma Igreja feita à imagem e semelhança de um Cristo que se fazia rodear dos mais pobres? 

O tema Há Pressa no Ar foi gravado em cinco idiomas (português, inglês, castelhano, francês e italiano). Como jovem católica, tenho pena que os jovens de todo o mundo, ao ver este videoclipe, possam pensar que são apenas passeios turísticos e pastéis de nata que Portugal tem para oferecer em 2023.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários