Quer mais dinheiro ao fim do ano? Preste atenção ao que tem no frigorífico

Feitas as contas, cada um de nós deita em média 91 euros para o lixo todos os anos. Se for uma família de dois adultos e dois filhos são 322 euros que o vento levou.

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"É possível comprar alguns alimentos mais baratos porque estão já próximos do prazo de validade" Adriano Miranda

Calcula-se que cada pessoa em Portugal desperdice cerca de 30,4 kg de comida por ano. Este valor refere-se ao que se passa nas nossas casas – não inclui as perdas na agricultura, indústria ou restauração. As três dezenas de quilos parecem improváveis: quem é que anda a deitar fora tanta comida que teve de comprar e pagar? O problema é que em cada dia esse desperdício é pouco visível: são em média 80 gramas (o mesmo peso do atum numa lata de tamanho normal) no total das várias refeições.

Mas como é que evitar perder 80 gramas de comida por dia pode resultar numa poupança significativa ao fim do ano? Segundo o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (1), um adulto de meia-idade precisa de 823 kg de alimentos anualmente (distribuídos, claro está, pelos vários grupos nutricionais). Por outro lado, a Comissão Europeia estima que o orçamento alimentar indispensável (para um adulto sozinho) atinja os 2448 euros anuais (2).

Feitas as contas, cada um de nós deita em média 91 euros para o lixo todos os anos. Se for uma família de dois adultos e dois filhos são 322 euros que o vento levou. É suficiente para comprar um computador portátil razoável... Ou, então, ao fim de cinco anos, o porquinho mealheiro já paga uma semana de férias em Paris para toda a família. Era tão bom se as poupanças no banco dessem juros destes!

Naturalmente não é só a carteira que beneficia. O clima e todo o ambiente agradecem. As câmaras têm menos lixo para acartar. Mas talvez o mais interessante é que a nossa saúde também sai directamente favorecida: muitas das regras que evitam o desperdício são as mesmas regras que protegem contra toxiinfecções alimentares e outros problemas de saúde resultantes da fraca gestão doméstica das nossas refeições. Se há uma altura em que ninguém quer ter de ir ao hospital por causa de uma salmonelose ou de outra doença alimentar é precisamente esta que atravessamos.

O desafio, então, é interiorizar o abc da segurança alimentar e praticar todos os dias. As regras são simples e têm lógica. Ficam aqui algumas para começar a treinar.

Planeie as refeições como um chef
Se definir com antecedência o principal das refeições da semana pode comprar em função do que realmente vai usar, em vez de “ter um bocadinho de tudo”. Se apesar disso tiver sobras, congele antes que se estraguem. Congelar interrompe o contar do tempo porque pára o crescimento dos microrganismos que degradam a comida, além de impedir a deterioração inevitável dos alimentos.

Deixe recados para o futuro
Com autocolantes ou marcadores registe nas caixas ou taças a data de colocação no frigorífico/congelador. E comece a gastar pelo mais antigo: o primeiro a entrar deve ser o primeiro a sair.

A distracção é para fintar
As sobras devem ir para o frigorífico 2 a 3 horas após a confecção, e ficar em lugar bem visível. Até os distraídos vão reparar e assim tudo é comido em menos de cinco dias. Se reaquecer use temperatura elevada – não há micróbio doentio que resista.

Nem na Antárctida nem nos trópicos
A temperatura do frigorífico deve estar a 4ºC ou menos, sem que chegue a congelar. Infelizmente um estudo (3) realizado no âmbito do projecto SafeConsume, revelou que os frigoríficos em Portugal estão a 5,5ºC em média e 27% a mais de 6ºC, o que facilita o crescimento bacteriano. Há quem se guie pela sensação de frescura da cerveja ou do leite para avaliar o nível de frio, mas só com termómetro há rigor (4).

Sobrar ou não sobrar, nem se põe a questão
“Se não sobrar não chega” é uma crença passada ao longo de gerações... Mas o ideal era que acabasse nesta. As sobras são os principais candidatos ao desperdício alimentar. O maior sinal de equilíbrio é não sobrar fome nem comida.

Podemos ser detectives
É possível comprar alguns alimentos mais baratos porque estão já próximos do prazo de validade. Mas é preciso olho de lince! Quando a embalagem indica “consumir até...” a data deve ser respeitada. Se não for possível incorporar a tempo no menu diário, então cozinhe e/ou congele e já acrescenta alguns dias ou até meses de margem de manobra. Se por outro lado disser “consumir de preferência antes de...” então a margem de segurança continua mesmo após esse dia. A bolacha pode estar mais mole, alguns cereais estarão menos estaladiços, mas não é razão para deitar fora.

A microbiologia não perdoa
A maior parte dos micróbios não causa doenças. Mas aqueles que causam são invisíveis e normalmente não alteram as características dos alimentos que associamos à qualidade, como o cheiro ou a cor. Por isso as regras são importantes mesmo quando não se vê razão para isso. Por outro lado, quem as cumpre pode estar descansado quanto à qualidade do que põe na mesa e evita deitar comida para o lixo por receios infundados.

As regras não terminam aqui. Aos poucos vamos aprendê-las todas e encher o porquinho mealheiro.


(1) Programa de distribuição de alimentos: Considerações para a adequação nutricional da oferta alimentar

(2) O cabaz alimentar português 

(3) Time-temperature profiles and Listeria monocytogenes presence in refrigerators from households with vulnerable consumers​

(4) Using tactile cold perceptions as an indicator of food safety-a hazardous choice​

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