Concurso para lançar IVAucher só teve a Pagaqui como candidata

SIBS não chegou a participar no concurso, cujas regras foram fortemente criticadas pela AdC. Finanças limitam-se a dizer que “decorre, neste momento, a respectiva fase de avaliação” do resultado do concurso.

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João Leão, Ministro das Finanças, chegou a admitir que estava a trabalhar com a SIBS o lançamento do IVAucher Reuters/PEDRO NUNES

A Pagaqui, empresa portuguesa de pagamentos que acaba de ser comprada pelo grupo europeu Saltpay, foi a única entidade a participar no concurso para a implementação do programa de incentivo ao consumo IVAucher. A SIBS, gestora da rede Multibanco, acabou por não concorrer, uma decisão que poderá estar relacionada com as preocupações manifestadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) em relação às regras do concurso, que a poderiam beneficiar.

A não participação da SIBS foi confirmada pela própria entidade ao Expresso, esta terça-feira. Instada pelo PÚBLICO a explicar as razões porque não apresentou uma proposta, a empresa limitou-se a dizer que “não tem mais nada a acrescentar ao tema​”.

Já a Pagaqui anunciou a sua participação no concurso internacional para “aquisição de serviços de processamento de comparticipação de pagamentos electrónicos com cartões bancários”, no valor de 5,6 milhões de euros.

Em causa está a operacionalização do programa aprovado no Orçamento do Estado para 2021, que pretende estimular o consumo na restauração, alojamento e cultura através da possibilidade de os consumidores poderem acumular o IVA suportado nestes mesmos sectores, descontando-o nas compras seguintes.

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério das Finanças não revelou dados sobre a participação no concurso, referindo apenas que “terminado o prazo para apresentação de propostas no dia 23 de Janeiro, decorre neste momento a respectiva fase de avaliação”. Em relação aos alertas feitos pela AdC, como o PÚBLICO noticiou esta segunda-feira, disse que “o Ministério das Finanças, no âmbito da colaboração institucional com a Autoridade da Concorrência, avaliará e terá em conta as recomendações apresentadas no dia 23 de Janeiro por esta Autoridade, tal como aconteceu com as anteriores recomendações”.

Em dois momentos, a AdC alertou o Governo para os risco de “os critérios de adjudicação limitarem a concorrência, podendo afastar operadores que não conseguem competir com uma rede da dimensão da rede multibanco. Entre os critérios de selecção estava a “capilaridade da rede de adesão, a abrangência de POS/terminais de pagamento automáticos (TPA) e a abrangência de cartões de pagamento aceites”.

A entidade liderada por Margarida Matos Rosa alertou ainda para outro risco, que era o da implementação do programa ser desenvolvida “em torno de uma solução fechada na medida em que não foram acauteladas obrigações de não-discriminação e de abertura”. Considerou ainda a AdC que, “não estando prevista a neutralidade tecnológica da plataforma associada ao IVAucher, colocar-se-ia, por exemplo, a questão de só poder ser utilizado o cartão associado ao operador que viesse a ganhar o concurso”.

Sobre o facto de o concurso ter tido um único participante, fonte oficial da Autoridade da Concorrência salientou que as preocupações quanto ao desenho do concurso mantêm-se as mesmas: “O desejável é que os pagamentos possam ser assegurados pelo maior número de operadores e que haja interoperabilidade do sistema, para facilitar a vida aos consumidores, porque nem todos têm os mesmos cartões”.

As razões invocadas pela Autoridade da Concorrência não são novas, tendo já, por outros motivos, pedido a intervenção do Banco de Portugal, por considerar que a SIBS “é praticamente monopolista” na gestão de pagamentos em Portugal. Uma crítica que tem sido feita por vários operadores de pagamentos recém-chegados ao mercado, as chamadas fintech.

A concorrência ganhou ou perdeu?

Pelo menos um potencial concorrente, a fintech Viva Wallet, admite ter sido “travada” pelas regras do concurso: “Tal como a AdC, alertámos o Governo para os perigos de uma solução fechada, como a que estava desenhada no caderno de encargos”, adianta a empresa, em nota enviada ao PÚBLICO. A empresa explica que “nunca considerou participar no concurso pois sempre acreditou que o modelo a implementar deveria aberto a todos os players no mercado (tanto a nível de TPA como na adesão a qualquer cartão de pagamento, independentemente do esquema)”.

Ainda assim, Pedro Saldanha, director da Viva Wallet Portugal, congratula-se com o avanço da Pagaqui, considerando que a solução apresentada “é aberta a qualquer entidade certificada que queira implementar o IVAucher, permitindo que os seus clientes usufruam deste incentivo governamental, pelo que aguarda a adjudicação e implementação do sistema, sem demoras”.

A Pagaqui, que cresceu em Portugal através das soluções de pagamentos disponibilizadas em tabacarias e quiosques e outros estabelecimentos, e que se apresentou ao concurso com a Borgun, HF, uma instituição financeira islandesa, do grupo Saltpay, defende que sua proposta “será altamente vantajosa”, uma vez que diz dispor “da tecnologia adequada a qualquer tipo de empresa e a qualquer cartão bancário”. “Os padrões de programação dos nossos terminais permitem a total integração de serviços e o acesso sem restrições”, adianta João Barros, CEO e um dos fundadores da empresa, em comunicado.

Em declarações ao PÚBLICO, João Barros, fundador da Pagaqui defendeu que “a concorrência é sempre salutar e impulsionadora de eficiência e por consequência de melhorias e ganhos para o mercado e os seus clientes”. Considera, no entanto, que “neste caso específico, o mercado também perde pela falta de comparência da SIBS”, que diz ter “todas as condições para executar um contrato desta natureza”.

“A nossa expectativa é que, quando formos chamados a executar o contrato, iremos colaborar activamente com a SIBS e todos as empresas que possam contribuir para que este programa seja um sucesso e ajude a recuperar alguns dos sectores mais penalizados por esta terrível crise que vivemos”.

Criada em 2014, a Pagaqui está presente em cerca de três mil pontos de venda e lançou recentemente a Qui, uma aplicação para telemóveis que permite enviar e receber dinheiro dos seus contactos, realizar transferências fazer pagamentos ou levantar dinheiro. Ao PÚBLICO, João Barros confirmou que a empresa que ajudou a lançar foi comprada pela Saltpay, operação que ainda não tinha sido anunciada. 

No comunicado divulgado, a SaltPay é apresentada como “uma diversificada fintech europeia que reúne serviços de pagamento, fidelização e valor agregado para ajudar as pequenas e médias empresas a expandir os seus negócios”.

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