Raio do núcleo do hélio medido com uma precisão “sem precedentes”

Grupo de cientistas portugueses participou numa investigação que conseguiu determinar o tamanho do núcleo atómico do hélio com uma precisão cerca de cinco vezes maior do que as medições anteriores.

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Os cientistas Franz Kottmann (à esquerda) e Karsten Schuhmann fizeram um trabalho preparatório essencial para esta experiência Markus Fischer/Instituto Paul Scherrer

Vamos conhecendo as constantes físicas cada vez com maior exactidão. Agora, o raio do núcleo atómico do hélio foi medido com um nível de precisão “sem precedentes”, anuncia esta quarta-feira uma equipa de cientistas, que inclui investigadores em Portugal da Universidade Nova de Lisboa, da Universidade de Coimbra e da Universidade de Aveiro. Os resultados são publicados na edição desta quinta-feira da revista científica Nature e estão na linha de medições feitas em 2010 ao raio do protão, que sugeriam que o seu tamanho é menor do que a comunidade científica assumiu em tempos.

Passo a passo, lá vamos sabendo cada vez com maior precisão (e certeza) o tamanho do protão. Em 2010, a mesma colaboração (Charge Radius Experiment with Muonic Atoms, ou apenas CREMA), anunciou num outro artigo na Nature que o raio do protão era mais pequeno do que se julgava: o valor obtido era de 0,84184 fentómetros, ou seja, cerca de 4% mais pequeno. Ante disso, o valor “oficial” do raio do protão tinha sido calculado em 0,8768 fentómetros (milésimos de bilionésimo de metro). Em 2013, considerou-se que os resultados de 2010 não eram disparatados, tal como durante o trabalho de agora.

As novas experiências foram realizadas no Instituto Paul Scherrer, na Suíça, o único centro de investigação capaz de produzir uma quantidade suficiente de muões para este trabalho. O muão é uma partícula de igual carga mas 200 vezes mais pesada do que o electrão, que torna as medições mais precisas. Os trabalhos publicados em 2010 e 2013 também já tinham sido aqui feitos.

Se noutras experiências se tinha usado o hidrogénio, agora foi a vez de o hélio entrar em cena. O hélio é o segundo elemento mais abundante no Universo. Sabe-se ainda que cerca de um quarto dos núcleos atómicos que se formaram nos primeiros minutos após o Big Bang eram núcleos de hélio, salienta-se num comunicado sobre o trabalho. Os núcleos do hélio são constituídos por quatro “blocos de construção”: dois protões e dois neutrões. No comunicado também se destaca que o conhecimento prévio do núcleo do hélio provinha de experiências com electrões. Agora, através de um novo método de medição, a equipa substituiu electrões por muões, formando-se hélio muónico.

Conseguiu-se assim determinar o tamanho do núcleo do hélio com uma precisão cerca de cinco vezes maior do que as medições anteriores. Calculou-se então que o raio de carga médio do núcleo do hélio é de 1,67824 fentómetros. Para se ter a noção dessa dimensão, consideremos que há mil biliões de fentómetros num metro.

Ao contrário do que aconteceu com o raio do protão em 2010, com a medição do raio do núcleo atómico do hélio não se observaram discrepâncias entre o valor mais preciso conseguido agora e as medições efectuadas com outros métodos. De forma indirecta, verificou-se também que os valores obtidos neste trabalho estão na mesma linha das medições do raio do protão feitas há mais de dez anos. Na altura, ainda se especulou que “uma nova física” poderia estar por detrás da discrepância dos resultados obtidos em 2010 e antes desse ano, mas agora sugere-se que a explicação não se deverá a uma nova física.

Embora já muito se tenha desenleado, ainda muita água irá correrá sobre este assunto. “De certa forma, o enigma do mistério do raio do protão ainda existe, mas está lentamente a deslindar-se”, refere-se no comunicado. “Em ciência tem de haver várias experiências coincidentes”, acrescenta ao PÚBLICO José Paulo Santos, investigador da Universidade Nova de Lisboa.

E quais as aplicações?

A investigação contou com a colaboração de mais de 40 cientistas. De Portugal, participaram Jorge Machado, Pedro Amaro e José Paulo Santos (coordenador), da Universidade Nova de Lisboa; Luís Fernandes, Fernando Amaro, Cristina Monteiro, Andrea Gouvea e Joaquim Santos (coordenador) da Universidade de Coimbra; e Daniel Covita e João Veloso (coordenador) da Universidade de Aveiro. A equipa de Joaquim Santos tem uma larga experiência nos detectores de raio-X emitidos pelos átomos muónicos, à qual se juntou o grupo de João Veloso. Já a equipa de José Paulo Santos esteve essencialmente dedicada à detecção e análise de dados.

E quais são as aplicações de todo este trabalho? “Como em muitos trabalhos fundamentais, a importância não é imediata. Provavelmente, só daqui a dez ou 15 anos é que vamos perceber quais as aplicações que poderá ter este trabalho”, responde ao PÚBLICO José Paulo Santos. “Da mesma forma como a mecânica quântica foi desenvolvida no início do século XX ninguém pensava quais as possíveis implicações e, hoje em dia, toda a nossa comunicação e formas de vida estão relacionadas com a mecânica quântica.”

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José Paulo Santos foi um dos cientistas portugueses envolvidos neste trabalho DR

Uma das grandes mensagens do trabalho é que permite determinar com maior exactidão as constantes físicas. De forma mais imediata, ao medir-se o núcleo do hélio com tal precisão, podem colocar-se outras previsões teóricas à prova, bem como possibilitar o teste de novos modelos da estrutura nuclear. “As medições do hélio muónico também podem ser comparadas com as que são obtidas em experiências em que são utilizados átomos e iões ‘normais’”, sugere-se no comunicado. Assim, ao compararem-se resultados das duas abordagens, poderão tirar-se conclusões sobre constantes naturais fundamentais, como a constante de Rydberg. Esta foi a constante da física determinada com a maior precisão e está fortemente ligada ao tamanho do protão e à mecânica quântica.

José Paulo Santos especula ainda que, por causa da emissão de partículas e a radiação electromagnética dos núcleos atómicos usadas na biomedicina, este trabalho pode ter aqui uma aplicação nesta área. “Como hoje em dia já temos vários dispositivos que a usam [a tal radiação] no âmbito da física nuclear, como a tomografia por emissão de positrões, quem sabe se aquilo que estamos a fazer permite testar modelos nucleares que podem ser desenvolvidos para aplicações biomédicas.”

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