Saída dos moradores abre a porta à demolição do prédio Coutinho

Providência cautelar foi rejeitada e os moradores vão deixar voluntariamente as fracções, mas sem “desistirem da luta”. Com um prazo de 30 a 60 dias para a saída se concretizar, Ministério do Ambiente quer lançar num intervalo de duas semanas o concurso para a demolição do edifício de 13 andares.

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Paulo Pimenta

Em Junho de 2019, os então 11 moradores do prédio Coutinho fecharam-se nas suas habitações, desprovidos de água, de electricidade e de gás, para impedirem os despejos que a VianaPolis tinha agendado para essa semana. A situação motivou a entrada de uma providência cautelar e de uma intimação para protecção das liberdades e garantias no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF de Braga). Aceites a 1 de Julho, essas duas acções foram consideradas improcedentes a 19 e a 20 de Janeiro. Ditaram, assim, a saída voluntária dos residentes, que pode abrir o caminho à desconstrução do edifício de 13 andares, à margem do rio Lima desde 1975. “Na sequência das recentes decisões do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (…), os moradores, não obstante discordarem das mesmas, decidiram voluntariamente abandonar as fracções”, lê-se no comunicado emitido na quinta-feira à noite.

Uma das residentes, Maria José Ponte, refere ao PÚBLICO que a saída voluntária é uma acção “em conformidade” com as decisões do TAF de Braga, que deixou de “dar cobertura para as necessidades básicas”. “Poderíamos ficar sem água e sem luz em qualquer altura (…). Não queremos que a força seja utilizada novamente e ainda menos contra este grupo de pessoas, que é muito sensível”, avisa a economista.

A decisão não implica, porém, uma desistência dos moradores quanto ao que crêem ser os seus direitos, diz Maria José. “Queremos viver condignamente, mas não abandonamos a nossa luta”, sublinha. Essa batalha jurídica traduz-se numa acção contra a Declaração de Utilidade Pública para a desconstrução do prédio, em vigor desde 16 de Agosto de 2005, em Diário da República, numa outra relativa à “competência e poderes para a desocupação das fracções” e numa terceira que pede a “reversão das expropriações” conduzidas pela VianaPolis, indica o comunicado. O grupo equaciona até levar o caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Contactado pelo PÚBLICO, o advogado dos moradores, Francisco Vellozo Ferreira, vinca que essas questões continuam em discussão, depois da decisão quanto à providência cautelar motivar a saída voluntária. Essa saída, observa, requer algum tempo para se concretizar, ainda para mais num tempo de pandemia. Afinal, algumas das pessoas em causa habitaram ali “durante toda a vida”, têm “bastante idade” – na casa dos 70 e dos 80 anos - e “uma saúde que não é muita”. “Haverá situações que serão mais céleres e outras que serão mais demoradas. “Em princípio, em 30 ou 60 dias isto poderá ser resolvido. Mas podem ser menos ou mais dias”, assume.

Também Maria José defende um “tempo adequado” para os bens serem retirados em segurança por um grupo de moradores que inclui “pessoas de alto risco” quanto à infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) e doentes oncológicos. “No meu caso, tenho dificuldade em arranjar um transporte de curto prazo para tirar tudo o que tenho em casa neste tempo de pandemia”, detalha.

A economista esclarece ainda assim que, desde 1 de Julho de 2019 até à recente decisão do TAF de Braga, a vida no prédio Coutinho decorreu de “forma normal”, com “muito contacto entre os moradores”, algo que não acontecia quando o edifício chegou a albergar cerca de 300 habitantes. “Quando éramos muitos vizinhos, não tínhamos esse contacto. Agora somos como uma pequena família”, confessa.

Acelerar a demolição do Coutinho

Encarregue da desconstrução do edifício, em conformidade com o Plano de Pormenor do Centro Histórico de Viana do Castelo, aprovado em 2001, a VianaPolis avançou à Lusa, através do vice-presidente, Tiago Delgado, que o prazo de 30 a 60 dias para a saída “não é problemático”, mantendo-se o fornecimento de água e de luz nesse período. Defensor de uma “solução pacífica”, o responsável lembrou que a sociedade de reabilitação urbana, detida pelo Estado (60%) e pela Câmara Municipal (40%), viu-lhe ser dada razão por todas as instâncias jurídicas do país, até ao Tribunal Constitucional. Tiago Delgado considera, assim, que não há margem para novas acções para impedir a desconstrução do Coutinho, restando, por exemplo, a decisão quanto à Declaração de Utilidade Pública. “Vamos supor que um tribunal qualquer diz que os moradores têm razão. O máximo que poderá acontecer é um processo de indemnização por danos, porque o efeito suspensivo num processo de expropriação é um facto consumado”, explicou à Lusa.

Já o ministro do Ambiente e da Acção Climática, João Pedro Matos Fernandes, avisou que o concurso público internacional para a desconstrução do prédio deve avançar nas próximas duas semanas, sendo praticamente impossível que a obra comece antes de Outubro ou de Novembro deste ano. “Não tenho uma expectativa mais optimista do que esta”, disse à Lusa. O governante lembrou que os moradores dispõem de indemnizações à ordem no tribunal, caso não queiram as casas que o Estado oferece, e informou que a VianaPolis não vai desistir da acção contra os moradores, na qual exige ser ressarcida em 845 mil euros, face ao adiamento da desconstrução. Para o lugar do prédio Coutinho, está destinado o novo mercado municipal de Viana do Castelo, cujo projecto vai ser apresentado na quarta-feira, informou, nesta terça-feira, a autarquia. com Lusa

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