Novo regime das contra-ordenações económicas agrava coimas a particulares e empresas

Marcelo promulgou já novo diploma. Reparação de danos a particulares vai garantir redução do valor das coimas, cujo valor mínimo começa em 150 euros. Vai passar a ser possível a tramitação electrónica dos processos.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

O novo Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas (RJCE), promulgado esta segunda-feira pelo Presidente da República, vem criar um ponto de viragem na “disparidade” sancionatória fixada em mais de 180 diplomas que regulam o acesso e o exercício de actividades económicas, alguns deles com há mais de duas décadas. Da empreitada de “simplificação, harmonização e garantia de proporcionalidade do processo sancionatório” resultou um forte aumento das coimas mínimas e máximas a pagar por empresas e particulares, especialmente quando comparadas, segundo o legislador, com “a desactualização” dos montantes fixados no Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (actualizado em 2001), e em legislação avulsa. 

Mas o novo diploma, que entrará em vigor 180 dias após a publicação em Diário da República, também traz boas notícias em matéria de segurança e defesa dos direitos dos consumidores, na promoção do regular funcionamento dos mercados.

Uma das novidades é a criação de um incentivo à compensação dos consumidores por prejuízos causados pelo infractor. Para isso, o legislador criou a possibilidade de redução da coima a pagar quando o “arguido repare, até onde for possível, os danos causados aos particulares, caso existam, e cesse a conduta ilícita objecto da contra-ordenação ou contra-ordenações cuja prática lhe foi imputada, se a mesma ainda subsistir”, lê-se no preâmbulo do diploma, a que o PÚBLICO teve acesso.

Nos casos em que se verifique a atenuação de pena, os limites mínimo e máximo das coimas são reduzidos para metade, o que pode, dados os novos valores agora fixados, compensar a imediata reparação de perdas sofridas pelos consumidores em muitas situações.

Esta medida é importante porque o direito à reparação de danos não está garantido em boa parte das infracções. A título de exemplo, quando um cidadão apresenta uma queixa no Livro de Reclamações ela pode dar origem a um processo de contra-ordenação e a consequente condenação ao pagamento de coima, mas não garante a compensação ao reclamante.

Em sentido inverso, o infractor poderá ver agravada para o dobro a coima aplicada quando “pela sua acção ou omissão, tenha causado dano na saúde ou segurança das pessoas ou bens, bem como quando o agente retire da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima e não existirem outros meios de o eliminar”.

Importa esclarecer que o RJCE abrange os factos ilícitos e censuráveis relativas ao acesso ou ao exercício, por qualquer pessoa singular ou colectiva, de actividades económicas nos sectores alimentar e não alimentar, mas fora dele ficam as contra-ordenações fixadas para sectores específicos, nomeadamente nos domínios ambiental, financeiro, fiscal e aduaneiro, e das comunicações, da concorrência e segurança social, onde as coimas têm sido actualizadas segundo “o juízo de proporcionalidade das infracções”.

Mas à semelhança daqueles regimes sectoriais, no novo diploma classifica as contra-ordenações, em função da sua gravidade: leves, graves e muito graves. No caso de entidades colectivas, é ainda feita uma segmentação dos limites mínimos e máximos da coima em função da dimensão: micro, pequenas, médias, e grandes empresas. No caso de particulares, os montantes também passam a variar conforme a gravidade da situação.

No caso dos particulares, as coimas para infracções leves passam a variar entre 150 euros e 500 euros, subindo para 650 a 1500 euros no caso de situações graves. E ainda para 2000 a 7500 euros nas muito graves. A título de exemplo, o montante fixado no Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (Lei n.º 109/2001) variava unicamente entre o mínimo de 3,74 euros e o máximo de 3740,98 euros.

Em diplomas recentes, o valor fixado para as coimas tem sido mais elevado, mas mesmo em relação a esses o RJCE traz actualizações em alta, e em alguns casos muito significativos. Como o Jornal de Notícias noticiou recentemente, por exemplo, atirar beatas de cigarro para o chão, uma infracção considerada leve, passou em 2019 a ser punida com uma coima mínima de 25 euros no ano passado, montante que sobe agora para 150 euros.

No caso das empresas, a título de exemplo, as coimas mínimas das microempresas vão variar entre 250 euros e 1500 para infracções leves, subindo para 1700 a 3000 euros nas graves e até 11.500 euros no caso de muito graves. Nas médias empresas, o limite parte de 1250 euros até 30 mil euros. No caso de uma grande empresa, as coimas por infracções muito graves ascendem a 90 mil euros, a que pode acrescer outras sanções acessórios, como perda de bens a favor do Estado ou interdição do exercício de profissões ou actividade.

Desconto para pagamentos voluntários

O legislador não teve só “mão pesada” na fixação do montante das coimas, também criou o regime da advertência para as infracções leves, permitindo à autoridade administrativa optar por não prosseguir com o processo de contra-ordenação quando o infractor ou, linguagem técnica, o autuado, “não tenha sido advertido ou condenado nos últimos três anos por uma contra-ordenação económica”. Nestas situações, o autuado é apenas advertido para o cumprimento da obrigação, mas, ainda assim, a decisão de aplicação da admoestação constitui uma decisão condenatória e as custas são suportadas pelo arguido.

Por outro lado, também é criado um incentivo ao pagamento voluntário da coima. Trata-se de uma redução em 20% do montante mínimo da coima a cobrar, independentemente da classificação das infracções. Nestes casos, o pagamento de custas é reduzido para metade quando o arguido realize o pagamento durante o prazo concedido para apresentação de defesa. Contudo, mesmo com pagamento voluntário, a coima equivale a condenação para efeitos de reincidência.

Nos casos em que há lugar à atenuação de pena para metade, como o da reparação de danos, já não é possível beneficiar do “desconto” previsto para o pagamento voluntário. Também não beneficia dessa medida o arguido que tenha sido condenado pela prática de contra-ordenação económica muito grave nos últimos três anos.

Simplificação e tramitação electrónica

O novo regime introduz várias alterações em relação à tramitação dos processos de contra-ordenação, nomeadamente ao estabelecer que a fase instrutória passa a estar expressamente prevista no RJCE.  Clarifica-se ainda o papel da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que passa a ser “a entidade competente, subsidiariamente, para fiscalizar, instruir e decidir das contra-ordenações económicas”.

O diploma também altera uma situação até agora muito criticada nos processos de contra-ordenação, ao estabelecer, como regra, que “o autuante ou participante não pode exercer funções instrutórias no mesmo processo, em observância do princípio da imparcialidade”.

Por outro lado, e para melhor defesa do autuado, passa a ser obrigatória “a constituição de mandatário na fase judicial do processo de contra-ordenação, sempre que o valor da coima aplicável exceda a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância”.

Paralelamente, simplifica-se o regime das notificações, ao passar a prever-se a possibilidade de notificar o arguido por carta simples ou por correio electrónico, criando-se a possibilidade de todo o procedimento contra-ordenacional ser tramitado electronicamente.

Passa ainda a prevalecer a regra da continuidade dos prazos, de acordo com o previsto no Código de Processo Penal.

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