Morreu Fou Ts’ong, o luminoso intérprete chinês de Chopin

O pianista morreu esta segunda-feira de covid-19, aos 86 anos, num hospital londrino onde estava já internado há 15 dias.

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Foi um dos primeiros chineses a ser reconhecido como uma estrela mundial do piano, em particular pelas suas interpretações de Frédéric Chopin, embora a sua discografia abarcasse vários outros compositores e períodos, de Domenico Scarlatti a Claude Debussy. Infectado pelo novo coronavírus, Fou Ts’ong estava hospitalizado há 15 dias e morreu esta segunda-feira em Londres, onde se radicara há mais de meio século.

“Os admiradores de Chopin recordar-se-ão dele pela sua interpretação de admirável subtileza e pela sua rica paleta de matizes”, escreve o jornalista e crítico musical Thierry Hillériteau no jornal francês Le Figaro, acrescentando que, “das mazurcas aos prelúdios”, as suas interpretações tinham uma “leveza e [uma] luminosidade que as tingiam de uma intemporal poesia”.

Nascido em Xangai em 1934, Fou Ts’ong vinha de uma família de intelectuais, e o seu pai, Fu Lei, que fizera estudos universitários em Paris nos anos 1920, foi um dos mais respeitados tradutores chineses de literatura francesa, tendo deixado traduções unanimemente elogiadas de romancistas como Balzac ou Romain Rolland.

Fou Ts’ong começou por estudar piano com o fundador da Orquestra Sinfónica de Xangai, o italiano Mario Paci, e em 1951 estreou-se em palco na sua cidade natal, interpretando o Concerto para piano n.º 5, conhecido como Concerto do Imperador. Dois anos depois conseguiu um terceiro lugar no Concurso Internacional George Enescu e, ainda em 1953, mudou-se para Varsóvia, onde estudou com Zbigniew Drzewiecki, tendo-se formado com distinção naquela que é hoje a Universidade de Música Frédéric Chopin da capital polaca.

O início da sua consagração internacional deu-se em 1955, quando alcançou o terceiro lugar no prestigiadíssimo Concurso Internacional de Piano Frédéric Chopin, que só se realiza de cinco em cinco anos. O primeiro lugar foi para o polaco Adam Harasiewicz, que veio a gravar a integral das obras de Chopin, e o segundo coube ao russo-islandês Vladimir Ashkenazy, um dos mais aclamados pianistas actuais, o que diz bem da concorrência que o jovem chinês teve de enfrentar. Na mesma ocasião, Fou Ts’ong venceu ainda o prémio especial atribuído pela rádio nacional polaca pela sua interpretação de uma mazurca de Chopin.

O pianista radicou-se em Londres em 1958, o mesmo ano em que o seu pai integrou a extensa lista de intelectuais chineses acusados de desvios de direita no âmbito da chamada Campanha Anti-Direitista do regime maoista. Oito anos depois, no início da Revolução Cultural, os seus pais suicidaram-se. As cartas que o tradutor escreveu ao seu filho vieram a ser postumamente publicadas em 1981 e ainda hoje continuam a ser reeditadas.

No início dos anos 60, o pianista manteve um breve casamento com Zamira Menuhin, filha do conhecido violinista e maestro norte-americano Yehudi Menuhin, e começou a conciliar a sua actividade de concertista com uma bem-sucedida carreira de pedagogo.

Haydn, Mozart, Schubert, Debussy ou Grieg são alguns dos compositores que tocou em palco e que gravou, além de Chopin, de cuja obra foi considerado pelo escritor alemão-suíço Hermann Hesse, Nobel da Literatura, “o único verdadeiro intérprete”. 

Entre os discos que gravou para a Meridian, a Sony, a Decca e outras editoras, conta-se A Arte Pianística de Fou Ts’ong, lançado em 1994, uma colaboração com os pianistas Martha Argerich, Leon Fleisher e Radu Lupu, que o homenageiam no material que acompanha o disco, considerando-o “um dos grandes pianistas do nosso tempo”.

Outro trabalho de colaboração – o Concerto para três pianos e orquestra (n.º7) de Mozart – tem a particularidade de incluir, além do grande pianista e maestro argentino Daniel Barenboim, o intérprete que o suplantara em 1955 no Concurso Frédéric Chopin: Vladimir Ashkenazy.

A morte de Fou Ts’ong foi lamentada por muitos músicos nas redes sociais, do chinês Li Yundi, que em 2000, aos 18 anos, se tornou o mais jovem vencedor de sempre do Concurso Internacional de Piano Frédéric Chopin – “Seguiremos os teus passos e esperamos que a bela música te acompanhe sempre no paraíso e que jamais estejas só”, desejou – ao pianista francês François-Frédéric Guy, para quem as interpretações que Fou Ts’ong fez de Debussy, Chopin e Mozart “permanecem lendárias”.

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