À procura de poetas
Encontrar a poesia e o poético não significa encontrar poetas. Nana ainda não sabe isso.
Nana descobre a poesia e o amor. Por esta ordem. Nascida numa ilha, escolheu ter esse nome depois de a avó partir para sempre. (“Nana” significa “cantiga para adormecer”.)
“Agora que já não estás,
em nana me transformarei.
Nana da areia e da água.
Nana da pele salgada.
Essa meiguíssima nana
que tu sempre me cantavas.”
Da autora do texto invejamos o nome: Mar. Ainda que Maria… também o contenha. Numa breve nota biográfica, a escritora conta que nasceu “amarela”. Puseram-na ao sol, era Julho. Conclui: “Acho que é por isso que gosto tanto do Verão.”
Natural de Valência, Mar Benegas diz ainda: “Penso que o mundo tem coisas bonitas, mas também muitas coisas horríveis, e é por isso que persigo a beleza através da poesia, porque tudo o que ela toca fica sempre um pouco mais bonito.” E o poético anda por aí, basta procurá-lo.
No livro, a menina, depois de encontrar a poesia, parte à descoberta de poetas. E vai para longe do seu amigo, o filho do padeiro que lhe trazia bolos acabados de fazer. “Os dois corriam de mãos dadas pela encosta abaixo até chegarem à praia.”
Só a ele confessava os seus tesouros preciosos. “Um sol minúsculo”, que é um búzio; “pedras macias…”, que são as línguas da terra e contam, dia e noite, coisas ao mar.
Nana conta a Martim que a professora lhe disse que a todos os tesouros que guardava e a tudo o que sentia se chamava “poesia”. O rapaz reflectiu: “— Ah, então eu também gosto de poesia.” Assim, “Martim pensou que a poesia eram pedras e búzios, e vidros macios coloridos, e uma chave, e um pedaço de rede de pesca, e um monte de folhas amontoadas no chão. Pensou que a poesia era isso: um sol na areia ou ser capaz de ouvir a terra a falar com as ondas”.
Para que serve uma carta de amor?
Não foi por ela partir para a cidade, já mais crescida e agora apaixonada por árvores, que o rapaz a esqueceu. Trocaram muitas cartas, até que lhe escreveu: “O vento trouxe-me o teu bosque à minha praia e reconheci-te na sua espessura. Desde que partiste, o mar não pára de sussurrar o teu nome.” Disse-lhe ainda: “Tenho recolhido os teus tesouros e guardo-os cuidadosamente. Para não se perderem e a poesia continuar aqui, quando voltares.”
O tom doce e poético do texto espelha-se também nas ilustrações de Rachel Caiano, cuja prática de acompanhar poesia lhe vai acrescentando cada vez mais sensibilidade e subtileza. Com pincel e apenas três cores (preto, vermelho e azul), cria uma atmosfera que nos envolve e comove.
Sobre si própria, diz a ilustradora, que também compõe música e desenha figurinos e cenários: “Vivo entre lápis, pincéis, agulhas, cães, guitarras, adolescentes e tabuadas. Esforço-me por esticar o tempo, mas nem sempre consigo e por isso faço várias coisas em simultâneo. Habito num labirinto de livros, brinquedos, tintas e papéis, onde nascem ilustrações que vão sendo publicadas em revistas, jornais e também em livros para crianças e adultos.”
Coração de Pássaro inicia, em simultâneo com Debaixo das Pedras (texto de Arianna Squilloni e ilustração de Laia Domènech), a colecção Akipoeta, “dedicada à poesia e à beleza dos detalhes, com um novo formato vertical, títulos escritos à mão, papel rugoso, encadernação com fio à vista (mais artesanal, que permite abrir o livro completamente) e textos e ilustrações muito cuidados, criando um conjunto cheio de delicadeza e sensibilidade que nos convida a redescobrir a magia da vida e a beleza dos pormenores”.
A editora da Akiara Books, Inês Castel-Branco, foi distinguida recentemente em Espanha, pela Câmara do Livro da Catalunha, com o Memorial Fernando Lara, um prémio com mais de 20 anos, em honra do antigo editor Fernando Lara, e destinada a reconhecer “um jovem empresário ou uma nova iniciativa empresarial no sector do livro”.
Uma das cartas que Nana recebeu, no Coração de Pássaro, “salpicou-lhe o nariz” com água salgada. Trazia uma praia dentro e escutavam-se as ondas. O momento de voltar anunciava-se.
Regressou sem certezas.
“Será o bosque suficientemente belo?”
“Voltaremos juntos ao nosso mar?”
“Construiremos um barco para navegar no tempo?”
“Será ele o pão que alimenta a minha calma?”
“Será amor o que me faz tremer?”
E, como muitos de nós, “não sabia o que responder”.
Feliz Natal, com poesia.
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