Cinco anos de Acordo de Paris, 10 anos de compromissos futuros

Descartamos, hoje, assentar o desenvolvimento económico no uso de combustíveis fósseis que provocam o aquecimento global. Também não queremos formas de ocupação do território que desvalorizem e ameacem o nosso capital natural.

1. O Ambiente e a sustentabilidade já foram a face minimizadora dos desmandos do crescimento. Eram, então, a parte visível de uma política de desenvolvimento de infraestruturas básicas e de reserva de territórios para a conservação da natureza. Hoje, o Ambiente e a sustentabilidade passaram a ocupar a posição central num projeto de futuro. Esse devir a que estamos obrigados exige-nos o uso sustentável de um planeta em que seremos cada vez mais, em que, cada vez mais, um maior número de pessoas exige o bem-estar a que se habituaram ou a que aspiram.

Por isso, a política ambiental atual não se pode socorrer dos instrumentos do passado, não pode ser vista como um conjunto de interesses parcelares, nem pode ser pensada de maneira desligada da economia e do combate às desigualdades. É no seio da política ambiental que se desenham as estratégias de desenvolvimento dos países.

Temos de fazer diferente. A economia tem de se reinventar. A exigência de bem-estar confinado aos limites naturais do planeta já não pode merecer discussão. A recusa de regresso ao passado é também a rejeição de um modelo linear da economia que exauriu os nossos recursos. Descartamos, hoje, assentar o desenvolvimento económico no uso de combustíveis fósseis que provocam o aquecimento global. Também não queremos formas de ocupação do território que desvalorizem e ameacem o nosso capital natural.

Os novos domínios da política são vários. A defesa clara dos limites suportados pelo nosso planeta – neles incluindo os limites do bem-estar de cada uma das suas espécies e, entre elas, a nossa. A defesa do nosso regime, o do Estado de direito, da democracia plural, da livre escolha. E se os limites do planeta são determinados, caber dentro deles não é uma tarefa determinística. Aqueles que, na sua radicalidade iluminada, assim pensam, também não vão bem: as tentativas de realizar a transformação “porque sim” redundaram sempre no fracasso.

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O Acordo de Paris foi firmado há cinco anos REUTERS/STEPHANE MAHE

2. Em 2015, Portugal contou com emissões de gases com efeito de estufa da ordem das 68 milhões de toneladas, sendo a produção e transformação de energia e os transportes os principais responsáveis pelas emissões a nível nacional. As renováveis contribuíram, então, para 53% da produção de eletricidade e Portugal revelou estar mais dependente das importações de energia do que a maioria dos países europeus (78%).

Em 2019, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas alertou para as evidências de que os efeitos das alterações climáticas já se faziam sentir e que os impactes de um aumento da temperatura de 2 graus centígrados seriam dramáticos. Concluiu que nos restam dez anos para agir e inverter o aumento das emissões globais de gases com efeito de estufa – uma atuação urgente, a que não podemos ficar indiferentes.

Nos últimos cinco anos, o tradicional Ministério do Ambiente, com as clássicas competências em matéria de gestão de água e resíduos e de condução de políticas para evitar a poluição, garantir o ordenamento do território e salvaguardar ecossistemas e habitats, cresceu em competências. De acordo com as exigências internacionais e das ambições internas, juntaram-se àquelas a condução das políticas da energia, das florestas e da mobilidade urbana e periurbana.

Foi um quinquénio em que progressivamente fomos terminando com subsídios perversos que, vigorando durante décadas, tornavam atrativa a produção de eletricidade a partir de energias fósseis. Ao fazê-lo de modo determinado, acolhemos com satisfação a notícia da antecipação do encerramento das duas centrais a carvão nacionais, já em 2021.

Com igual satisfação assistimos ao crescimento paulatino da venda de viaturas elétricas, certamente por via dos instrumentos fiscais e de incentivo que criámos, mas também porque a consciência em matéria climática e a vantagem económica pesaram na decisão dos portugueses.

Neste período, criámos, ainda, o Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos, reduzindo o preço dos passes, em alguns casos, em mais de 100 euros mensais. Resultado: mais 12% de passageiros nos transportes coletivos e menos emissões.

Com a reinvenção de instrumentos financeiros caducos que herdámos, erigimos o Fundo Ambiental, a importante ferramenta de intervenção nas políticas de descarbonização e de proteção dos recursos naturais. Quadruplicando as suas receitas, o Fundo foi essencial para, por exemplo, alavancar investimentos nos metros de Lisboa e do Porto e no transporte fluvial de passageiros na Área Metropolitana de Lisboa.

Tolstoi escreveu que “há quem passe pela floresta e apenas veja lenha para a fogueira”. É este olhar que negamos quando pensamos as nossas florestas. Nelas queremos valorizar os bens públicos que produzem – ar puro, água e biodiversidade –, intervindo pela gestão, pelo planeamento da paisagem, pela manutenção no tempo do rendimento dos seus proprietários, permitindo-lhes, assim, optarem pela plantação de espécies mais adaptadas ao território.

Fizemos um percurso de que nos orgulhamos, que não tenho oportunidade para exaustivamente aqui elencar, uma caminhada que intensificámos nos últimos anos graças a instrumentos mais adequados a lidar com a complexidade dos fenómenos.

3. Com o Acordo de Paris e a evidência científica da urgência da ação climática, estabelecemos uma nova ambição, assumida, no ano seguinte, na COP de Marraquexe, pelo primeiro-ministro de Portugal: fomos o primeiro país do mundo a assumir o desígnio da neutralidade carbónica até 2050, ambição em que fomos seguidos por muitos outros. Hoje, parece banal o que, em 2016, foi disruptivo.

O Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 concretizou essa ambição, estabelecendo a trajetória de redução de emissões e as opções de políticas e medidas para atingir esse objetivo, criando riqueza sem delapidar os recursos.

O nosso futuro, com o Ambiente no centro da ação, é um momento de afirmação. De afirmação de uma tese, a nossa, de que a política ambiental é uma política ativa, que defende os valores ambientais ao erigir um modelo económico sustentável, nele abarcando formas de produzir, de consumir e de proteger recursos. Uma política que recusa o “Não” como princípio cautelar, mas que também não aceita claudicar a interesses de um modelo económico predador e, por isso, sem futuro.

Os próximos dez anos serão moldados por um conjunto de objetivos e metas já estabelecidos. Assim, temos de reduzir até 55% as emissões de gases com efeito de estufa. Como?

Teremos de incorporar 47% de fontes renováveis no consumo final de energia, 80% na produção de eletricidade e 20% nos transportes. Mas não basta. Para um país que não se quer entre os medianos, mas que tem a ambição de liderar a transição para uma economia neutra em carbono, temos ainda de integrar 5% de gases renováveis no consumo final de energia, razão pela qual fomos pioneiros na apresentação de uma estratégia para os gases renováveis. E pretendemos ainda eletrificar 30% da mobilidade urbana, reduzir a área afetada por incêndios rurais para metade e proteger 30% da superfície terrestre e marítima.

A ambição é vista por vezes como um defeito. No caso das matérias ambientais, ser virtuoso e responsável é ser ambicioso. Essa vai ser essa a pedra de toque da nossa presidência da União Europeia. Vamos confirmar a neutralidade carbónica da Europa, em 2050. Vamos garantir que mais de um terço das verbas comunitárias serão dedicadas à ação climática. Vamos debater os desafios da adaptação às alterações climáticas e a sua articulação com as opções de política setoriais. Vamos comprometer os países que mais beneficiarão do Fundo para Transição Justa com metas que correspondam às verbas de que vão ser beneficiários. Vamos construir um compromisso europeu em matéria de proteção da biodiversidade que vai além do que foi estabelecido em 2010, na Convenção de Biodiversidade de Aichi. À escala nacional, vamos avaliar o impacto ambiental de todas as iniciativas legislativas e esforçar-nos-emos para promover o financiamento sustentável, tornando as instituições financeiras uma alavanca de investimentos verdes.

A nossa visão é a de que é possível criar riqueza e bem-estar a partir de investimento que beneficie a redução de emissões, que promova a transição energética, a mobilidade sustentável, a circularidade da economia e a adaptação e valorização do território. E sentimo-nos mobilizados para uma missão com objetivos planeados, cuja concretização garanta que os temas ambientais são aceites como aqueles que melhor podem contribuir para a recuperação da economia e para o combate à pobreza, no curto prazo, e, em simultâneo, para a construção de uma sociedade mais justa e um território mais sustentável, no longo prazo. O ambiente e a ação climática são motores para a recuperação económica e social, com elevado efeito multiplicador na economia.

Escreveu Jorge de Sena num notável conto que a brevidade nos isenta dos perigos. Este percurso que fizemos em conjunto não foi assim tão breve, mas fizemo-lo eliminando os perigos que podíamos e minimizando os que não podíamos evitar. E, certamente, preparámo-nos melhor para os vindouros.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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