A factura da Zona Franca

Foram precisos 30 anos para a Comissão Europeia colocar por fim as perguntas certas: exactamente, o que fazem e quem empregam as empresas da Zona Franca?

Pelo modo como estas coisas se medem, não teve má sorte a Zona Franca da Madeira. Num país pouco dado à transparência, uma administração estendida ao limite, um Governo central sempre refém das regiões e a tendência generalizada para não agitar águas, estavam criadas as condições para fazer medrar o nosso próprio paraíso fiscal.

Foram precisos 30 anos para a Comissão Europeia colocar por fim as perguntas certas: exactamente, o que fazem e quem empregam as empresas da Zona Franca?

A investigação promovida pela Comissão é toda uma introdução ao submundo do offshore. Postos de trabalho contabilizados em dobro, gestores tomados como trabalhadores, trabalho em part-time tratado como duradouro, benefícios fiscais “sem qualquer controlo eficaz”. Assim prosperam os centros internacionais de negócios.

A Comissão Europeia tem muita culpa nisto, talvez a maior parte. Ainda assim, custa ver o Estado português defender o indefensável, que é irrelevante que se criem empregos na região, que o controlo dos postos de trabalho criados põe em causa a “intimidade da vida privada” dos trabalhadores ou que a fiscalização de um regime de benefícios fiscais como este deve assentar na “auto-avaliação” e “boa-fé” dos beneficiários.

Nisto, há duas conclusões certas desde já. Primeiro, que não temos inclinação política nem capacidade institucional para controlar esquemas deste tipo. Fazê-lo exigia uma vontade colectiva de dar o exemplo que nos falta por completo e a compreensão de que, no longo prazo, jogar limpo dá trabalho mas acaba por valer a pena. Depois, que a regionalização da administração fiscal, como foi feita na Madeira em 2005, constituiu um erro tremendo. A atribuição de poderes tributários a entidades políticas menores, com esta latitude, cria entropias imensas, alimenta vazios de responsabilidade e facilita a captura do regulador pelos regulados. Na experiência da Zona Franca há lições a tirar quanto aos méritos da regionalização, esse “imperativo constitucional” sempre adiado.

A Comissão conclui agora o processo e manda o Estado português recuperar junto das empresas os benefícios que lhes tenham sido atribuídos sem o fundamento devido.

Por cá, a notícia é recebida sem sobressalto. O País tem outras prioridades, o governo regional confia que alguma coisa há-de encontrar para mostrar e todos ficamos à espera que a poeira assente, até que se consiga vender à Comissão mais um “regime”.

Quem sabe, com alguma razão. Talvez estas empresas consigam responsabilizar o governo regional, a região exija a conta ao Governo da República e este acabe por repassar aos contribuintes a factura da Zona Franca. No dia seguinte as notícias serão outras, o IVA na electricidade, o imposto nos carros usados ou as tabelas de retenção.

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