Mexia corta ligação à EDP, entre “indignação”, “enorme afecto” e “valores éticos e morais”

Presidente da EDP suspenso de funções desde Junho confirma por carta que não está disponível para voltar a liderar a empresa. Accionistas pedem ao presidente interino, Miguel Stilwell, que forme uma equipa.

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António Mexia ladeado por Miguel Stilwell (à esquerda) e Rui Teixeira, que agora estão à frente da EDP e da EDP Renováveis, respectivamente Sara Jesus Palma

O presidente executivo da EDP com funções suspensas, António Mexia, comunicou aos accionistas da empresa que não está disponível para voltar a integrar os órgãos sociais, deixando caminho aberto ao novo líder, Miguel Stilwell, para escolher uma nova equipa de gestão que será eleita em assembleia-geral, em Janeiro.

António Mexia, que está, desde Junho, impedido de exercer as funções de liderança da empresa, por ordem do juiz de instrução criminal Carlos Alexandre, acaba o seu mandato em Dezembro.

Na mesma situação está o administrador da empresa, João Manso Neto, que, tal como Mexia, é arguido no chamado “caso EDP”.

Em comunicado enviado nesta segunda-feira à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a EDP revela que recebeu cartas de ambos os gestores “informando da respectiva indisponibilidade para integrar qualquer lista candidata aos órgãos sociais da EDP para o próximo mandato (2021-2023)”.

A EDP revela ainda que recebeu uma comunicação de todos os accionistas representados no seu Conselho Geral e de Supervisão (CGS), indicando que, “face aos recentes desenvolvimentos relacionados com o PCAE [presidente do conselho de administração executivo] suspenso de funções”, entendem dever-se eleger um novo órgão de gestão para o triénio 2021-2023.

A eleição, que deverá realizar-se em assembleia-geral, permitirá “manter a estabilidade da sociedade e dos seus negócios, transmitindo uma forte mensagem ao mercado no sentido de que a estratégia e o crescimento focado da EDP se mantêm inalterados”.

Nesse sentido, os accionistas pediram já ao presidente executivo interino, Miguel Stilwell de Andrade, que lhes apresente “uma proposta relativa à composição do CAE [conselho de administração executivo] para o próximo mandato”.

A assembleia-geral electiva deverá ocorrer em Janeiro do próximo ano.

Miguel Stilwell substituiu António Mexia na liderança da EDP em Julho, acumulando a presidência da empresa com o pelouro financeiro. As pastas de João Manso Neto passaram para o administrador Rui Teixeira, que acumulou a operação em Espanha com o negócio de renováveis.

No comunicado desta tarde, a EDP “reconhece a indelével contribuição do Dr. António Mexia e do Dr. João Manso Neto para o crescimento e criação de valor para a Sociedade e para os seus stakeholders ao longo dos últimos 15 anos”.

Deixa ainda “expressamente registadas a importância da liderança do Dr. António Mexia e a contribuição muito relevante do Dr. João Manso Neto no cumprimento dos objectivos da EDP neste período”.

Os dois gestores, constituídos arguidos no “caso EDP” e acusados dos crimes de corrupção activa e participação económica em negócio, estão ainda a aguardar o resultado do recurso que interpuseram contra as medidas de coacção aprovadas pelo juiz Carlos Alexandre no início do Verão passado.

A “maior multinacional” portuguesa

Na hora do adeus à EDP, António Mexia, salienta que “há decisões difíceis na vida e esta é uma delas”, ainda mais, “por resultar de um contexto de incompreensível injustiça”.

Na carta enviada aos accionistas, a que o PÚBLICO teve acesso, o gestor não deixa os seus créditos por mãos alheias. Ao preparar-se para encerrar o ciclo de quase 15 anos na liderança da empresa, Mexia recorda que neste período “a capitalização bolsista da EDP duplicou, tendo hoje o grupo as duas maiores empresas cotadas na bolsa de Lisboa [a EDP e a EDP Renováveis], que representam em conjunto mais de metade do valor agregado” do índice de referência português.

A EDP transformou-se na “maior multinacional de origem portuguesa com presença em 19 países” e um “líder incontornável nas energias renováveis, com uma estratégia focada na transição energética” destaca.

Sublinhando o seu “enorme afecto à companhia” e às “suas pessoas”, António Mexia diz que fez o seu percurso na empresa, onde entrou em 2006, sempre do lado certo da lei e da ética: “Sempre procurei fazer com que todos déssemos o melhor de nós, preservando sistematicamente os limites que nos são impostos pelo bom senso, pela lei e pelos valores éticos e morais sem os quais nem eu nem a EDP sabemos viver”.

E, referindo-se ao processo judicial que saltou para as manchetes em Junho de 2017, volta a manifestar incompreensão por ter sabido “pela primeira vez” de um caso “que tinha começado em 2012 com uma denúncia anónima” e que “tinha já cinco anos de investigações”.

Neste caso, os dois gestores são acusados de terem corrompido, em conjunto, o antigo ministro da Economia socialista Manuel Pinho, o ex-secretário de Estado social-democrata Artur Trindade, o antigo assessor de Pinho, João Conceição (hoje, administrador da REN), e o ex-director-geral da Energia e Geologia Miguel Barreto (também eles constituídos arguidos).

Em causa neste processo estão alegados favorecimentos à EDP relacionados com os contratos de rendas garantidas (os custos para a manutenção do equilíbrio contratual, ou CMEC), a extensão das concessões das barragens ou a atribuição da licença sem prazo da central hidroeléctrica de Sines.

“Indignação e espanto”

Às medidas de coacção propostas pelo Ministério Público e validadas pelo juiz de instrução criminal, e ao seu afastamento da EDP, António Mexia refere-se na carta como “incompreensíveis desenvolvimentos”.

Diz ainda que “é com profunda indignação e espanto que nestes últimos mais de três anos” tem continuado “a assistir ao desenrolar de um processo baseado em insinuações e suspeitas, alicerçado numa construção fantasiosa e puramente especulativa, sem qualquer aderência à verdade dos factos”.

Lembrando que a EDP teve o Estado português como accionista, salienta que “todas as decisões foram aprovadas de forma unânime pelos órgãos competentes” e diz-se tranquilo quanto “à resolução deste processo”.

O facto de estar impedido de exercer funções e a um mês de concluir o mandato, “aliados a uma investigação artificialmente arrastada”, levam Mexia “a considerar que é tempo de mudar” e “contribuir” para a “transição” na EDP, “independentemente da decisão que vier a ser proferida” pelo tribunal quanto às medidas de coacção em vigor há quase seis meses.

Para o futuro fica a promessa de só vir a “estar associado a desafios profissionais em novas áreas” que contribuam para “um mundo mais sustentável do ponto de vista ambiental, económico, social e cultural”. E uma certeza: estes desafios “nunca serão conflituantes com os interesses e projectos da EDP”.

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